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Uma cadeira que PENSA

Investigadores da Universidade do Porto desenvolveram uma cadeira de rodas que se dapta às capacidades do utilizador. Pode ser comandada com um joystkk, através de ordens verbais ou até com um piscar de olhos.

O filme Sonhos Vencidos (Million Dollar Baby), de Clint Eastwood, foi marcante para Luís Paulo Reis. Na noite em que viu a película, em 2006, o professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) sonhou que, à semelhança da protagonista da história, interpretada por Hillary Swank, também ele ficava tetraplégico. No dia seguinte, acordou com uma ideia fixa: como aplicar a sua vasta experiência na área da robótica a um projeto que permitisse aumentar a autonomia de tetraplégicos e pessoas com paralisia cerebral ou outros problemas incapacitantes.

"Pensei que seria interessante conseguir criar uma cadeira de rodas inteligente que, por um lado, pudesse ser conduzida de forma segura (evitando obstáculos, não caindo em escadas, etc.) e que, por outro lado, pudesse ser controlada de modo simples, mesmo por utilizadores com capacidades reduzidas", explica o investigador, atual presidente da Sociedade Portuguesa de Robótica.

Com esse objetivo, associou-se a um grupo de docentes do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores da FEUP e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto, a quem viriam a juntar-se, mais tarde, quatro novos parceiros: a Universidade de Aveiro, a Universidade do Minho, a Escola Superior de Tecnologia de Saúde do Porto e a Associação do Porto de Paralisia Cerebral. A equipa criou a IntellWheels, uma plataforma que permite transformar uma cadeira de rodas elétrica convencional num equipamento inteligente que se desvia automaticamente de obstáculos e pode ser conduzido através de um joystick, de comandos de voz ou mesmo de expressões faciais.

Numa primeira fase, ainda sem qualquer fonte de financiamento, os investigadores utilizaram uma cadeira de rodas oferecida - "era quase sucata", admite Luís Paulo Reis - para fazer os primeiros testes do conceito. Posteriormente, o projeto cresceu à medida que foi recebendo apoios de diversas entidades.

Embora se conheçam dezenas de projetos de cadeiras de rodas inteligentes atualmente em desenvolvimento um pouco por todo o mundo, a IntellWheels tem algumas características que a distinguem dos restantes protótipos. A mais significativa é o facto de dispor de uma interface  multimodal de comando, que se adapta às capacidades de quem a usa. Quando o utilizador se senta na cadeira pela primeira vez, é feito o chamado userprofiling, ou seja, um conjunto de testes para verificar as capacidades do condutor e definir qual o modo de comando que melhor se adapta às suas características. O controlo da cadeira pode ser feito através de um joystick USB comum ou de comandos de voz definidos na primeira utilização, captados por um microfone e interpretados por um processador que tem a capacidade de reconhecer e ignorar o ruído ambiente.

CONDUZIR COM UM PISCAR DE OLHOS

Através de uma câmara e de um sensor de movimentos WiiMote, desenvolvido para a consola de jogos Wii, a IntellWheels também pode ser comandada com simples movimentos de cabeça, piscar de olhos, expressões faciais ou pensamentos simplres. Além disso, os vários tipos de comandos podem ser utilizados de forma isolada ou combinada. "Por exemplo, para um utilizador tetraplégico, podemos definir que piscar um olho uma vez significa parar, piscar duas vezes significa andar em frente, três vezes virar à esquerda e por aí fora. No entanto, se o utilizador tiver capacidade para isso, poderá também usar comandos mais eficientes e precisos, como o joystick", refere Luís Paulo Reis.

A equipa testou a utilização de uma interface cérebro-computador, com recurso a tecnologia já existente no mercado, que consiste num capacete que permite "ler" ondas cerebrais: "O utilizador pode treinar pensamentos que são associados a comandos da cadeira. Por exemplo, se pensar em água, a cadeira anda; caso pense em fogo, ela para."

No entanto, esta tecnologia acabou por ser deixada de parte, para já, uma vez que a precisão da deteção do pensamento com este tipo de dispositivo é demasiado baixa para que a cadeira possa ser conduzida com eficácia e segurança. Nas experiências iniciais, nenhum dos dez voluntários conseguiu, após duas horas de treino, formar um pensamento cognitivo bem definido que fosse útil para guiar a IntellWheels, pelo que a interface não foi utilizada nas experiências finais do projeto.

Outra das vantagens da IntellWheels é o facto de se tratar de um sistema que pode ser instalado em praticamente qualquer cadeira de rodas comum. "Ao contrário de muitas cadeiras de rodas inteligentes, que são concebidas de raiz e têm um aspeto robótico e até algo assustador, a IntellWheels mantém o visual de uma cadeira convencional", destaca Luís Paulo Reis. "Por outro lado, torna-se um sistema de baixo custo, até porque utiliza aparelhos não intrusivos relativamente baratos."

Além de poder ser controlada através de vários tipos de comandos, a cadeira consegue desviar-se automaticamente de obstáculos. Com recurso a uma barra de sensores colocada a toda a volta da cadeira e de um sistema Kinect, o equipamento capta imagens e calcula a distância dos objetos, num ângulo de 360 graus.

A mesma tecnologia poderá ser aplicada à área da domótica

O planeamento de tarefas é outra das mais-valias da IntellWeels, sobretudo em ambientes
conhecidos dos utilizadores da cadeira, como as suas casas ou instituições onde passam grande parte do tempo. No centro da Associação do Porto de Paralisia Cerebral, onde decorreu a maioria dos testes da IntellWheels, a equipa de investigação traçou o mapa das instalações e, a partir daí, definiu ações automáticas para a cadeira, desde ordens básicas como "seguir a parede", até ações mais complexas como "ir para o refeitório": "A cadeira sabe onde está, sabe onde se situa o refeitório e é capaz de planear o caminho desde o ponto onde se encontra até ao destino pretendido", explica Luís Paulo Reis.

CADEIRAS QUE '"FALAM" ENTRE SI

A IntellWheels pode também comunicar com outras cadeiras. "Quando o sistema (a cadeira, neste caso), se regista num ambiente em que existem outros sistemas com capacidade para comunicar, pode interagir com eles e definir um planeamento cooperativo", explica o investigador. Por outras palavras, pode estabelecer-se que duas cadeiras não se cruzem (evitando choques, por exemplo) ou que, pelo contrário, se encontrem em determinado local. Da mesma forma, a cadeira poderá comunicar com outros dispositivos, como portas automáticas, permitindo que estas se abram à sua passagem.

Outra característica do projeto da equipa portuguesa foi a criação de um simulador em 3D, muito realista, que reproduz o ambiente real da Associação do Porto de Paralisia Cerebral. Além das características da sede da associação, o simulador inclui uma cópia fiel da própria cadeira, dos seus sensores, motores e comportamento dinâmico, e utiliza exatamente o mesmo software que conduz a IntellWheels na realidade. Foi graças a esta reprodução virtual que várias crianças e adultos com paralisia cerebral experimentaram, pela primeira vez, conduzir uma cadeira de rodas. "Foi uma grande emoção para algumas pessoas, que nunca tinham tido esta oportunidade, dado que não existem cadeiras de rodas adaptadas a pacientes com paralisia cerebral. Para treiná-las e avaliar o seu desempenho na condução, e necessário perceber exatamente onde está a cadeira em cada momento, e isso seria muito complicado de fazer em ambiente real", explica Luís Paulo Reis.

Construído o protótipo, que já deu origem a cinco distinções nacionais e internacionais, ainda há muito trabalho pela frente até que a IntellWheels possa ser comercializada. Para já, a equipa está à procura de financiamento para iniciar a fase de conceção de um produto que possa ser colocado no mercado de forma economicamente viável. Segundo Luís Paulo Reis, o projeto poderá agora avançar com um âmbito europeu ou luso-brasileiro, de modo a atingir um mercado mais amplo.

Entretanto, alguns dos princípios que deram origem à interface multimodal da IntellWheels poderão ter aplicação em outros projetos para pessoas com limitações físicas ou motoras. Recorrendo a uma interface multimodal, os jogadores de boccio, por exemplo, poderão controlar a rampa utilizada nesta modalidade paralímpica, podendo jogar de forma totalmente autónoma. Interfaces semelhantes à da IntellWheels poderão também ser aplicadas em áreas como a domótica, permitindo controlar o ambiente de uma casa, com vários dispositivos eletrónicos e mobiliário inteligente.

Super Interessante, abril de 2014

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