Smartphones em concerto na Casa da Música (Jornal de Notícias)
Já ninguém estranha ver smartphones em vez de isqueiros a encher salas de concerto com milhares de pontos de luz, de um lado para o outro ao ritmo do que se ouve, mas a Sala Suggia da Casa da Música assistiu, anteontem, a algo nunca antes visto. Além de isqueiros, os smartphones foram instrumentos e na plateia havia mais de mil instrumentistas: "Senhoras e senhores, o espetáculo vai começar dentro de breves momentos". E assim acabou a mensagem. Nada de pedidos para desligar os telemóveis ou deixá-los em silêncio. Aliás, o que se pedia ali era que estivessem ligados e com o volume bem alto.
O desafio foi lançado por Investigadores do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) quando, há cerca de um ano, ambicionaram criar uma aplicação que permitisse que mil smartphones fossem sincronizados de forma a explorar as suas capacidades audiovisuais para criar música e dar um concerto interativo. "Só hoje é que soubemos que ia ser possível", con- fessa Rui Penha, investigador do INESC TEC e um dos organizadores do a.bel. "Foi uma surpresa quer do ponto de vista técnico, como do ponto de vista artístico não sabíamos como os telemóveis iam "O principal obstáculo foi usar estes sistemas para fazer uma coisa para a qual não foram desenhados" soar - mas sobretudo não sabíamos como é que as pessoas iam reagir", explica.
No palco, os artistas com os seus instrumentos. Na plateia, os outros artistas com os seus smartphones. "Ia sentindo estímulos do próprio telemóvel e em vários momentos consegui interagir, quer fosse com um som, uma cor, um toque de ecrã". Joana Oliveira saiu rendida do espetáculo. "Era uma das mil pessoas a contribuir, estava a dar algo de mim". Pela música ou pela experiência, ninguém saiu indiferente. "Não aprecio muito este tipo de música, mas fiquei muito impressionado com o desafio tecnológico", conta Luís Ferreira.
Rui Penha descodifica o fascínio do a.bel. "Usamos o telemóvel para nos conectarmos a universos que estão fora do espaço físico. Aqui, vimos as pessoas a tentar tocar ao mesmo tempo, a observar os outros e, de repente, este instrumento passou a potenciar essa partilha".
Jornal de Notícias, 28 de outubro de 2015