Saiba como garantir o sucesso de uma empresa que nasce na academia
O financiamento é, sem surpresa e tal como acontece com as restantes empresas, o maior entrave a um maior crescimento dos negócios que nascem nas universidades (chamados de ‘spin-offs’ académicos) em Portugal. A conclusão é de um estudo feito para a Comissão Europeia e apresentado o mês passado em Bruxelas. “Conseguir o financiamento de projectos em Portugal tem sido difícil. Por outro lado, Portugal gere muito bem a tecnologia e o processo de inovação de produto e de processo”, resume Manuel Au-Yong Oliveira, investigador do INESC TEC, parceiro português do estudo, conjuntamente com a Advancis Business Services.
Este grande entrave, que sempre existiu, foi agravado com a crise internacional. Os investidores retraem-se e quem atravessa maiores dificuldades são as empresas que dependem do mercado interno. “Portugal tem graves problemas de escala.Somos dez milhões e o país está com dificuldades económicas”, explica o investigador do INESC TEC.
Em segundo lugar, estas empresas que nascem no meio académico português falham muito em termos de internacionalização. Porque ainda falta muito aos empreendedores para saberem vender os seus produtos nos mercados estrangeiros.
Depois vêm as dificuldades na própria gestão dos recursos humanos, a falta de conceitos económicos e de literacia financeira e as dificuldades na área das vendas. Os ‘spin-offs’ criados nas universidades e politécnicos têm uma visão muito técnica do negócio e descuram a vertente comercial, o que afecta o crescimento das empresas, conclui o estudo. “Ter um bom produto não chega se ninguém o comprar”, resume Manuel Au-Yong Oliveira.
A área das vendas tem uma conotação negativa para os investigadores, que se vêem transformados, de um momento para o outro, em empreendedores académicos. “Têm muitas vezes a expectativa de que o produto se venda sozinho e, por isso, não apostam, em especial desde o início, em profissionais especializados nesta área, nem em estudos prévios de receptividade dos produtos e serviços pelo mercado, por exemplo em termos de preço a praticar”, acrescenta Manuel Oliveira.
Montar uma empresa, sublinha, requer pessoal especializado em vendas e acaba por ser uma área que tende a ser deixada de lado em termos de prioridades. Pensa-se que qualquer pessoa sabe vender e consegue vender desde que o produto seja bom, mas não é verdade. “É necessária formação específica e pessoal motivado”, defende, para desenvolver marcas e pessoas capazes de aplicar princípios de venda científicos.
Por outro lado, Manuel Au-Yong Oliveira diz que Portugal “precisa de defender melhor a sua propriedade intelectual, quer seja com patentes ou via outro meio”.
O investigador acaba, porém, por concluir que, surpreendentemente, os quatro países analisados – Portugal, Polónia, Finlândia e Holanda – “têm aptidões de liderança muito semelhantes, incluindo descentralização das decisões, visão de longo prazo, pretender o bem do todo, realizar encorajamento, fornecimento de informação e aprendizagem”.
Os CEO voltam à universidade
Deste estudo saiu jáum Programa de Formação Avançada, financiado pela Comissão Europeia e por isso com custos abaixo dos preços praticados pela concorrência, destinado a CEO e outros quadros superiores de empresas empreendedoras e académicas, que no fundo são ‘start-ups’ que trazem conhecimento do ensino superior para o mercado. O curso aborda áreas como vendas,marketing e inovação, finanças e internacionalização e já teve sessões piloto em três países, entre os quais Portugal, através do INESC TEC e que terminaram em Setembro. “Pretendemos dar um empurrãozinho aos empreendedores, portugueses mas não só, e ajudá-los a chegar mais longe”, diz Manuel Au-Yong Oliveira. O calendário de futuras formações está ainda a ser elaborado pela escola.
O estudo intitula-se “Spin-up: A comprehensive program Aimed to Accelerate University Spin-Off Growth”, da Hogeschool- Universiteit, de Bruxelas, e foi apresentado na 8ª Conferência de Inovação e Empreendedorismo, nos dias 19 e 20 de Setembro, na capital belga. A pesquisa resulta de entrevistas feitas a 99 CEO de ‘spin-offs’ académicos dos quatro países citados e integra-se no projecto “Spin-up”, financiado pela Comissão Europeia no âmbito do Programa Erasmus (cooperação entre empresas e universidades).
Os parceiros internacionais são a Leaders2Be, a Universidade Técnica de Delft (ambas da Holanda) e a Universidade de Tecnologia de Lappeenranta (Finlândia).
Manuel Au-Yong Oliveira
Os académicos “têm a expectativa de que o produto se vende sozinho e, por isso, não apostam, em especial desde o início, em profissionais especializados nesta área”, diz o investigador do INESC TEC, que participou no estudo.
Rui Moreira
“A recolha de capital foi, sem dúvida, uma das maiores dificuldades"
Rui Moreira, de 44 anos, é um dos gestores da NexttoYou, empresa tecnológica que nasceu na Unidade de Telecomunicações e Multimedia (UMT) do INESC TEC, em 2008, que participou na sessão de formação piloto “Spin-Up” que decorreu naquela escola. “A recolha de capital foi, sem dúvida, uma das maiores dificuldades que sentimos no início”, assume. Talvez por isso destaque a oportunidade que os alunos tiveram de fazer uma apresentação e trocar ideias com ‘business angels’ como uma das partes mais úteis da formação. “Tivemos a oportunidade de recolher ‘feedback’ dos investidores, e ao mesmo tempo também de apresentar os nossos projectos aos colegas”, explica.
Diário Económico, 7 de outubro de 2013