Risco e incerteza nas fontes renováveis de produção eléctrica
Por Manuel Matos*
Não havendo dúvidas quanto aos benefícios de produzir electricidade a partir de fontes renováveis, sobretudo num país que não dispõe de reservas de combustíveis fósseis (e, mais geralmente, num planeta onde essas reservas são limitadas), tem sido contraposto o carácter intermitente, sobretudo da energia eólica, como um factor de risco que reduziria o interesse na utilização desses recursos (por razões de espaço, restringir-nos-emos à energia eólica, mas muito do que se diz é extensível a outras energias renováveis).
Na verdade, a gestão do sistema eléctrico sempre exigiu o desenvolvimento de estratégias de cobertura do risco associado à possível falta de produção.
Esse risco resultava essencialmente das avarias nos grupos produtores (turbinas+geradores) e também de possíveis falhas nos recursos hídricos (em períodos secos). Em consequência, todos os sistemas eléctricos possuem capacidade de produção adicional para cobrir esse risco, e existem metodologias de avaliação que permitem quantificá-lo, dando indicações sobre a necessidade de reforçar o sistema.
É interessante notar que, no que respeita à componente do risco associada às avarias de grupos produtores, a produção eólica apresenta vantagens, uma vez que se caracteriza por um elevado número de turbinas de pequena potência (quando comparada com os grupos tradicionais). Assim, a perda de uma unidade térmica acarreta uma deficiência de produção imediata de, tipicamente, 400 MW (1600 MW no caso de um grupo nuclear), enquanto o conjunto equivalente de turbinas eólicas pode reduzir um pouco a produção por avaria de uma ou várias turbinas, mas nunca se verificará a perda simultânea de uma parte significativa do conjunto.
Mas é claro que a componente de risco associada à incerteza e variabilidade do recurso primário assume, no caso da produção eólica, uma importância que não pode ser ignorada e que tem sido objecto de investigação científica nos anos mais recentes. No que respeita à incerteza da produção futura, existem hoje metodologias de previsão para horizontes até 72 horas que apresentam margens de erro aceitáveis, permitindo uma eficaz gestão do risco por parte dos operadores do sistema. Estamos muito longe, portanto, da ideia que, por vezes, se quer fazer passar de completa ignorância sobre o que vai acontecer. De qualquer modo, esta gestão de risco exige uma maior disponibilidade e utilização de capacidade de reserva, com os custos associados, mas apenas em relação à incerteza remanescente.
A variabilidade, por seu lado, obriga à existência de grupos no sistema que possam acompanhar a evolução do consumo, mantendo o indispensável equilíbrio entre este e a produção.
Trata-se, mais uma vez, de uma função que sempre existiu nos sistemas eléctricos, devido à própria variabilidade do consumo, mas que neste caso tem de lidar com a combinação das variações do consumo e da produção eólica, tornando-se assim mais exigente. A já referida existência de previsões da produção eólica permite, entretanto, escalar os grupos necessários com a antecedência adequada.
Em resumo, é verdade que o desenvolvimento da produção de electricidade de origem renovável apresenta novos desafios à gestão dos sistemas eléctricos, mas nem esses desafios têm a dimensão que por vezes se lhes quer emprestar, nem faltam meios para os enfrentar adequadamente. Claro que tudo se toma um pouco mais complexo, mas não foi sempre assim? Caso contrário, ainda estaríamos a aquecer-nos em frente a uma fogueira.
*Professor catedrático da FEUP e investigador do INESC TEC
Jornal i, 7 de agosto 2012