Ricardo Campos e o "lado temporal" da informática
Como chegou a esta área profissional?
Comecei com uma licenciatura em Matemática Informática na Universidade da Beira Interior. Desde cedo procurei esta área da informática e depois o meu percurso foi todo à volta disto. Fiz um mestrado em Engenharia Informática também na UBI, já depois de ter passado por uma empresa de consultadoria. Na altura integrei a Business Intelligence na área da Data Warehouse uma área associada à análise temporal. No fundo isto acabou por estar um pouco na génese do meu percurso no doutoramento na origem do meu trabalho de doutoramento, recentemente defendido na Universidade do Porto (FCUP).
O que o atrai nesta área específica?
Desde logo o facto de descobrir coisas novas todos os dias. Em termos de investigação para mim é fantástico. A área de informática foi sempre uma área que eu tentei procurar, e na parte específica do doutoramento o que me atraiu foi o facto de sempre me interessar pelo aspeto temporal das coisas. Nesse sentido eu trabalhei na área dos motores de busca de informação, e eu achava, e continuo a achar, que ainda têm algo a evoluir especificamente nesta parte de apresentarem os resultados aos utilizadores numa perspetiva mais temporal. E de facto um pouco por ter trabalhado na área da Data Warehouse, isto acabou por originar em mim um maior interesse na área da informação relativa ao passado sob uma perspetiva agregadora dos resultados.
“Sinto-me realizado quando vejo as coisas a funcionar”
O seu projeto de doutoramento foi distinguido no Fraunhofer Portugal Challenge 2013. Em que consiste a investigação?
O trabalho de doutoramento teve por objetivo melhorar os resultados que são apresentados ao utilizador. Descobrimos que grande parte dos utilizadores quando fazem pesquisas temporais não contextualizam a sua pesquisa com nenhuma data, pelo que procuramos oferecer uma perspetiva histórica à pesquisa do utilizador. Veja-se o exemplo do Carlos Paião. Se esta pesquisa for executada num motor de busca convencional teremos acesso, habitualmente, apenas aos resultados mais recentes. Em contrapartida o nosso sistema consegue devolver os vários aspetos temporais da vida de Carlos Paião sob a forma de uma cronologia.
A distinção foi importante para si?
Deixa-me realizado, mas encaro o prémio como uma consequência natural do trabalho que tenho desenvolvido, do bom trabalho que temos feito. Já me sinto realizado a partir do momento em que vejo as nossas coisas a funcionar. Esforçamo-nos tanto que o facto de as coisas funcionarem já é bastante motivador. Mas claro que o prémio, pelo seu prestígio, é um importante passo na minha carreira de investigador e docente do ensino superior.
Em relação a este projeto qual é o próximo passo? Há perspetivas de ser aplicado comercialmente?
Continuamos a trabalhar nele. Continuo integrado no LIAAD, que é o meu laboratório de investigação, e continuamos a desenvolver novas aplicações. Em consequência disso, temos vindo a trabalhar no projeto e no início de abril vamos efetuar uma apresentação do nosso sistema (nomeado para melhor aplicação) numa conferência internacional . Perspetivamos também ainda este ano apresentá-lo nos mesmos moldes, numa outra conferência na China. Vamos ver o que daí decorre. Em termos comerciais é difícil, porque o Google, a Yahoo ou a Microsoft apenas se interessam por sistemas já existentes no mercado, preferencialmente a gerar milhões de euros. Estarmos a competir com o Google torna tudo muito mais difícil. Ainda mais com os poucos recursos financeiros que atualmente existem em Portugal no que à investigação diz respeito.
Neste momento em que está mais envolvido além da continuação deste projeto?
A curto prazo estou a preparar um Special Issue para o Information Processing & Management Elsevier International Journal, em conjunto com Leon Derczynski (Universidade de Sheffield, UK), Jannik Strötgen (Universidade de Heidelberg, Alemanha) e Omar Alonso (Microsoft Corp, EUA). Temos também uma série de artigos científicos que estão a sair decorrentes do trabalho que fizemos durante a tese de doutoramento. A longo prazo, o caminho passa um pouco por solidificar a carreira enquanto investigador e docente do ensino superior.
“Dá-me um gozo enorme dar aulas e fazer também investigação”
O que lhe dá mais prazer as aulas ou a investigação?
Não posso escolher uma das duas. São complementares uma à outra. Por um lado, gosto de estar fechado no gabinete a refletir e a desenvolver ciência, e por outro lado, poder transmitir os meus conhecimentos aos alunos é essencial para me manter equilibrado emocionalmente. No fundo estas duas atividades contribuem para o meu equilíbrio emocional. Também o facto de lecionar num Politécnico, tendencialmente um ensino de cariz mais prático, acaba por ser vantajoso na medida em que a investigação que fazemos acaba por resultar numa nova aplicação que temos a oportunidade de ver funcionar. Particularmente a mim, dá-me um gozo enorme dar aulas e fazer investigação. O fundamental é empenharmo-nos no que fazemos.
Sente-se realizado profissionalmente?
Muito! Temos fases boas e fases más, é mesmo assim. Vivemos numa altura particularmente complicada em que nos exigem cada vez mais. Exigem-nos às vezes coisas que nos limitam em outras situações, porque ficamos com falta de tempo para pensar e para desenvolver ciência. Obviamente que a qualidade do nosso trabalho acaba por ser afetada. Mas não me sinto arrependido de nada.
Quais as maiores dificuldades de estar numa carreira científica atualmente?
A falta de recursos financeiros. É difícil… Veja-se agora o exemplo das bolsas que nos limita no exercício das nossas funções de investigador. Por si só já temos de competir com países em que a investigação está em clara expansão como é o caso da China ou Índia. Depois o facto de também competirmos com grandes empresas é um fator adicional de dificuldade. É fácil de imaginar o que acontece em termos de competitividade se em cima disso tudo ainda nos tiram o acesso ao financiamento.
Apesar destas dificuldades todas ainda se consegue fazer investigação de qualidade em Portugal?
Consegue. E tanto consegue que os nossos artigos acabam por ser publicados em revistas e conferências de elevado nível ainda que em menor número quando comparado com outros países. Não tendo os recursos financeiros, temos de contrariar de alguma forma esta situação.
“Estão a desviar-nos das nossas funções para angariarmos recursos financeiros”
Que conselho deixa aos jovens que querem iniciar uma carreira científica?
Têm uma coisa boa: já sabem para o que vão e as dificuldades que vão encontrar. E se vão é porque estão dispostos a lutar. É uma carreira muito exigente. Basicamente o que digo aos meus alunos é isto: uma pessoa que é boa naquilo que faz vai ter sempre lugar no mercado de trabalho ou numa carreira de investigação. Mas claro, tem de estudar muito, inovar e sobretudo procurar soluções que ainda não existem no mercado. Depois há uma característica muito importante que é ganhar autonomia e responsabilidade. É isso que os alunos ganham, depois de frequentarem progressivamente uma licenciatura, mestrado e doutoramento. No final a ideia é terem ganho a autonomia suficiente que lhes permite trabalhar mesmo sem recurso a qualquer tipo de orientação.
No seu caso, com tanto trabalho, há tempo livre para a vida pessoal?
É complicado. A nossa profissão é muito desgastante e cada vez mais difícil. Estão a desviar-nos daquilo que são as nossas funções primárias para angariarmos recursos financeiros, e muitas vezes não é para amanhã, é para ontem. Isso acaba por tirar tempo, também a nível pessoal.
E para o futuro, quais são os seus projetos?
A longo prazo quero consolidar-me como investigador e isso vai exigir que eu continue a produzir novas aplicações e a fazer investigação, e depois consolidar-me como docente do ensino superior. Quero continuar a dar aulas no Instituto Politécnico de Tomar e a fazer investigação no LIAAD.