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Renováveis em compasso de espera

O corte nas remunerações e a falta de financiamento puseram um travão nas energias renováveis. O talento está a emigrar e as fábricas em risco de encerrar.

POR Clara Teixeira 

 Portugal é rico em recursos energéticos renováveis. Temos sol, vento, água, biomassa e calor saído da terra. Numa altura em que a concentração de CO2 na atmosfera passou a ser um indicador da qualidade de vida que o futuro nos reserva, é indispensável somar conhecimento, capacidade de execução e inovação aos recursos que a Natureza nos destinou. Mas para desenvolver este potencial, que pode ajudar a economia a crescer, precisamos de recursos humanos, de tecnologia e de dinheiro. Uns e outros são escassos. 

FUGA DE CÉREBROS 

João Peças Lopes, membro da direção do Instituto de Engenharia e Sistemas de Computadores (INESC) do Porto, lamenta ter perdido, no ultimo ano, três dos 12 investigadores doutorados que faziam parte da sua equipa, na área dos sistemas elétricos e das energias renováveis. Todos eles emigraram. «Há uma procura enorme de cérebros na Europa e nos Estados Unidos. Pagam-se salários muitíssimo maiores, embora as equipas nem sempre sejam melhores. Mas isso não é um problema. O dinheiro atrai o talento», afirma, lançando um alerta: «Corremos o risco de perder equipas inteiras.» 

As razões, «conjunturais», que provocaram a sangria de quadros no grupo coordenado por Peças Lopes são, afinal, as mesmas que se fazem sentir noutros setores. Como se empregam facilmente na sua área, dois dos investigadores doutorados seguiram as mulheres até, respetivamente, França e Bélgica, depois de terem fracassado as tentativas de arranjar, aqui e Portugal, trabalho para elas. O terceiro, mais jovem, optou pela Dinamarca, país líder mundial nas eólicas, quando se deparou com dificuldades para adquirir casa própria em Portugal. 

Nos três casos, o que mais pesou na decisão de emigrar terá sido a sensação de que as energias renováveis são «um luxo» que o nosso país não poderá suportar nos próximos anos. «Reina o discurso segundo o qual as renováveis são caras e não há dinheiro para pagá-las, mas continua a ser uma área onde podemos inovar, crescer, fazer produtos diferenciados e exportar. 

Mas, com a emigração dos mais qualificados, «perdemos capacidade de resposta», salienta Peças Lopes, recordando que a sua equipa foi a mais afetada no INESC Porto pela fuga de talentos. Na Universidade do Porto, o número de alunos de mestrado diminuiu, na área das renováveis, e aumentou noutras disciplinas, como nas telecomunicações. 

No pós-crise, como poderá o País recuperar estes talentos? «Eles não voltarão», acredita João Peças Lopes. «Não são emigrantes de mala de cartão. São emigrantes que vão ganhar muito razoavelmente e constituir equipas muito interessantes. Não creio que regressem.» Além de não segurar alguns dos seus melhores quadros, Portugal está a perder a capacidade de atrair talentos estrangeiros. «Que temos para lhes oferecer? Salários baixos e impostos altos», diz ainda aquele professor. António Sá da Costa, presidente da Associação de Energias Renováveis (Apren), concorda: «Não vamos perder o investimento nos parques eólicos nem nas centrais fotovoltaicas. Esse está feito. O que vamos perder é o investimento em capital humano.» À perda de quadros qualificados, como acontece no INESC Porto, acresce que as empresas de engenharia do setor das renováveis já começaram a prestar serviços fora de portas, a grandes empresas estrangeiras. «Vão montar o cerco aos nossos melhores engenheiros e obrigá-los a ficar nesses países. O capital humano vai sair, porque as empresas ou se impõem lá fora ou encerram.» 

FÁBRICAS EM RISCO 

A multinacional alemã Enercon escolheu o porto de Viana do Castelo para instalar duas das unidades que formam o seu cluster industrial em Portugal - uma de torres de betão e outra de pás eólicas. Os pormenores do processo de fabrico são mantidos em segredo, longe dos olhares dos concorrentes, mas sabe-se que esta filial, a maior fora da Alemanha, constitui uma referência dentro da empresa-mãe. 

Francisco Laranjeira, diretor-geral da Enercon, prevê que, no final deste ano, cerca de 8o% das mil pás fabricadas na região Norte tenham seguido para exportação. Mas nem a produção de um novo modelo, em breve, assegura a continuidade das fábricas. A manter-se a estagnação no investimento eólico em Portugal, em 2012 e 2013, o cluster «corre o risco de fechar». Na sua origem, está um modelo de negócio assente numa fatia de 30% a 40% de vendas para o mercado nacional. Por isso, o ano de 2014 será decisivo para se saber se as unidades de Viana se mantêm abertas. «Este projeto é uma das nossas poucas bandeiras», recorda o diretor-geral. «O crescimento tem de estar assegurado», defende. 

O estreitamento do mercado nacional reflete as dificuldades do consórcio Eneop, que, em 2005, ganhou, em concurso, licenças para instalar 1200 MW de potência eólica em Portugal. Mais de 900 MW estão já instalados, mas a falta de financiamento ditou a diminuição do ritmo do projeto participado pela EDP Renováveis, Enel e Generg. Muitos outros projetos nacionais também abrandaram, numa altura em que os cortes de 150 milhões de euros nas remunerações excessivas das eólicas, negociados pelo Governo, não incentivam a entrada de novos pedidos de licenciamento. O Plano Nacional de Ação para as Energias Renováveis (PNAER), na sua última revisão, praticamente não prevê a atribuição de licenças, fixando metas para as eólicas que os agentes do setor entendem como um sinal de paragem. 

Apesar das dificuldades, o presidente da Apren não acredita que o dnster de Viana - tal como um outro, em Vagos/Oliveira de Frades, construído pela Martifer e pela alemã Repower - esteja em risco. «Terá de haver sempre uma componente nacional. Os clusters instalaram-se com base nessa expectativa. E, da nossa parte, temos todo o interesse em continuar a fabricação interna, para garantir a necessária renovação dos parques eólicos, a partir de 2020», diz António Sá da Costa. Mas ele sabe muito bem que «o que manda é o dinheiro. Se existe negócio, mantém-se, se não existe, muda-se. Os donos das fábricas são alemães e, a dada altura, podem equacionar a deslocalização das fábricas para fora de Portugal». Em conjunto, os dois clusters são responsáveis por 3 mil postos de trabalho diretos. 

Nem só as fábricas eólicas estão em risco. O corte nos incentivos e benefícios fiscais decretou a sentença de morte para muitas empresas de painéis solares térmicos. «Fabricantes e instaladores estão a fechar. Ninguém está a comprar equipamentos», diz o presidente da Apren. Outro projeto adiado, na área das renováveis, é o da energia das ondas. O consultor Jorge Vasconcelos, ex-presidente da ERSE, concentrou as atenções, na conferência anual da Apren, ao anunciar que quatro empresas estrangeiras interessadas na zona piloto de Peniche quase desistiram, inconformadas com «a demora em assinar um papel». «Falta saber quem paga o cabo de ligação aterra», cujo custo final, estimado entre 8 a 10 milhões de euros, será refletido na tarifa a pagar pelo consumidor. Criticando «os belos discursos dos governantes ao domingo», Jorge Vasconcelos avisou ainda que «as empresas estão a desinvestir e a passar ativos do setor industrial para o financeiro». 

INVESTIMENTO PARADO 

«O mundo não para. Se nós paramos, passam-nos à frente», alerta Sá da Costa. Para Portugal, ficar para trás significa abandonar o grupo dos líderes mundiais nas energias renováveis, nomeadamente hídrica e eólica. «As políticas têm que ter uma evolução previsível. Há promotores preparados para avançar desde que tenham garantias de estabilidade», diz. 

Recordando que 70% do investimento em renováveis vem do exterior, Sá da Costa sublinha que «se houver hesitações, o dinheiro vai para outro sítio». 

«Não é dando subsídios que se resolve e se promove este setor.» Se dúvidas vesse, a resposta do secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, contribuiu para que se desfizessem. No encerramento da conferência anual da Apren, o governante denunciou a «forma voluntariosa» como se avançou nas renováveis, em Portugal. E alertou: «Transformar as renováveis num panfleto político só pode correr mal.» Anunciou um novo modelo energético, «mais criterioso nos apoios», e prometeu acabar com o elevado nível de incentivos concedidos desde o ano 2000, corrigindo as remunerações para «reduzir os custos que o consumidor suporta». 

Terminou fazendo um convite para que os investidores avancem com novos projetos nas renováveis mas, a partir de agora, por sua conta e risco. Sem rendas excessivas.

Visão, 25 de outubro de 2012

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