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O que é que o Porto tem?

Recorde de turistas e estudantes, vida cultural e artística impressionante, uma movida noturna nunca vista, gastronomia de top, prémios e distinções. O que explica o sucesso do Porto e por que é que ele vai continuar?
O que é que o Porto tem?

Capa revista Visão

Uma cidade em movimento

Primeiro, o Porto começou a preto e branco, com medo da sua própria sombra, macambúzio, autocrítico em excesso, estigmatizado pela primazia lisboeta. Durante anos, não arriscou um cêntimo na promessa da cidade que viria a ser. Os donos do El Corte Inglés, amuados com a proibição de construírem novo shopping na Boavista, preferiram Gaia à localização na Baixa que o presidente da Câmara, Rui Rio, lhes oferecia. Hoje, comenta-se, devem estar arrependidos. Já o Grupo Carris Hoteles, cem por cento galego, esperou anos de escavações meticulosas para que cinco edifícios seculares próximos do casario junto ao rio tivessem o carimbo do IGESPAR e pudessem dar lugar, sem mácula, ao Carris Porto Ribeira, a "menina dos olhos" da cadeia e um dos mais procurados pelos turistas. "Nunca nos arrependeremos do investimento", garante Jorge Jáñez, diretor de operações da empresa. O hotel respeitou ao máximo a História, a localização e a personalidade do Porto. "Fazer diferente seria estragar. As feridas e as rugas do granito mantêm-se, bem como as madeiras, o aço e os outros materiais autóctones. Os portuenses valorizam isso", observa. É ele que serve de cicerone pelos corredores Ângelo de Sousa/Soares dos Reis, que deambula pelas mesas do restaurante Forno Velho, onde jovens cozinheiros portugueses dão cartas. É ele, ainda, que mostra a taperia à antiga, situada do outro lado da viela e ergue, depois, um cálice de Porto, na garrafeira, que manteve os azulejos originais. É ele que se derrete nos espaços com peças do escultor Paulo Neves e assoma, por fim, à varanda da suite com vista para o rio, onde se delicia com as claraboias e aromas do almoço, nas casas simples do casario. "Adoro ver roupa estendida! E no início, ainda havia galinhas no terraço", diverte-se Jáñez que, amiúde, recebe testemunhos dos turistas alojados no hotel, ora emocionados com aquele desconhecido que lhes ofereceu um café ou com o velhote que picou o bilhete de autocarro para toda a família do forasteiro. "Quem vem, quer voltar", resume, elogiando a "visão urbanística de longo prazo" que "gerou glamour e qualidade, numa cidade de autenticidade, educação e proximidade". Agora, sugere, só falta investir "no turismo náutico e no caminho português de Santiago", ambos com "enorme potencial". O melhor trunfo, porém, "continuam a ser os portuenses".

Joel Cleto, o historiador habituado a calcorrear as ruas da cidade para o Porto Canal, ao estilo de José Hermano Saraiva, responsabiliza o metropolitano pela primeira grande revolução de hábitos e mentalidades na cidade: "Estudar num sítio, namorar noutro e viver noutro ainda, sempre foi normal. Mas agora está tudo perto", explica. Subindo a Avenida da Ponte em direção às vielas da Sé, o arqueólogo concorda que os habitantes da região demoraram mais do que os turistas a pensar o Porto em formato XL, mas "a ideia vai acentuar-se, muito por força das novas gerações, que tanto aparecem a jantar em Matosinhos como a assistir a um concerto no centro histórico". O Porto nem sequer é coutada de... tripeiros. "As pessoas vieram de todo o lado, das Beiras, de Trás-os-Montes, da Galiza. E isso tem um enorme poder transformador, mantendo, ao mesmo tempo, o carisma das suas gentes, as rotinas e as tradições que os estrangeiros apreciam. O Porto sabe acolher o turista, mas não muda a sua vida por causa dele. De resto, nunca será Veneza, onde, à noite, não vive gente."

Helena Sarmento veio do Douro vinhateiro já com a voz que Deus lhe deu. Deixou Lamego para trabalhar num escritório de advocacia e acabou fadista. "Foi no Porto que me senti, pela primeira vez, em casa e a saber crescer com as minhas dores", confessa. A cidade "detesta maquilhagens" e permite "um relativo anonimato e boa qualidade de vida". Dois discos depois (Fado Azul e Fado dos Dias Assim) a cantora, de 32 anos, que turistas brasileiros batizaram de "Marisa Monte do fado", percebeu que, apesar do papel matricial de Lisboa, este Património Imaterial da Humanidade "é sempre novo e de todos os lugares onde alguém o cante". Rui Viera Nery, autoridade na matéria, inclui Helena no processo de reinvenção da canção nacional. E o fado dela, apesar do Porto que leva dentro, tem também "essa dimensão que transcende o cenário que mais o serve".

O Porto é isto: tão intenso a resgatar as ligações históricas à música que nos pariu como a envolver os turistas nesse andarilhar curioso de vozes vadias, da Associação Dar à Sola, pelos tascos da beira-rio, com pregões e tertúlias poéticas pelo meio. É também o mesmo burgo que lança mão de outras sonoridades, com a Capicua e Virtus a darem cartas no hip-hop com pronúncia e mensagem política. A cidade tem ainda Hazul, o seu Bangsy do graffiti, e Mariana, "a miserável", ilustradora em alta. Tem Quintas de Leitura esgotadas e os book gangsters da Cultureprint e da Cedofeita Viva que, há dias, deixaram 2 mil livros, pela calada da noite, nas paragens de autocarros, à porta de infantários, bibliotecas, lojas e cafés, a pretexto do Porto Book Stock Fair, o maior festival de livros da cidade.

A urbe renascida é uma longa-metragem que começou às apalpadelas e que agora até se descobre fashion em versão digital. Jiri Siftar, fotógrafo britânico com mais de 70 mil seguidores, elevou o Porto ao estatuto de Instagram hit. O programa de partilha de fotos permitiu desvendar à sua fiel comunidade o Porto "obstinadamente imune à modernização" e que permite desfrutar um estilo de vida "como ele deve ser, mais descontraído e relaxado".

Há agora um merchandising certificado da cidade, dos azulejos aos lápis Viarco, passando pelos pins com ditos e termos típicos que portuenses e estrangeiros ostentam pelas ruas. Os criadores da Oporto Lobers desenvolveram o autocolante de parede Carago, as sacolas Bai-me à Loja e as almofadas de hardcore tripeiro Estrelinha te guie, caralhinho te foda. O São João internacionalizou-se e a marca "Porto" tornou-se viva, a cores e até descarregável, das t-shirts com o QR Code às aplicações móveis do turismo oficial da cidade.

O Travel Plot, aplicação para Iphone que desafiava o utilizador a entrar na "missão" de salvar o vinho do Porto, foi desenvolvido de forma experimental pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores da cidade, durante três meses, gerando 950 downloads provenientes de 32 países diferentes.

Para o próximo ano, um projeto da Universidade Lusófona dará lugar a um guia digital do Porto, que incluirá narrativas orais, recolha de tradições e microatividades locais.

Exemplos destes são possíveis numa cidade com vitalidade e talentos vários na área da investigação, cuja Universidade pública se tornou no maior centro de produção científica nacional, com 31 mil estudantes - 3 mil deles estrangeiros - e 719 cursos. "Os estudantes são os nossos maiores embaixadores", refere Lisa Dequech, da Universidade do Porto, autora de um estudo sobre o impacto do turismo académico na cidade.

Há oito anos, Giovanni Tedesco, 34 anos, deixou Nápoles para estudar História de Arte e encontrou um segundo lar. "Os bairros, a Baixa, as casas ao nível da rua, a roupa estendida, fizeram-me lembrar a minha terra. Adorei a mentalidade aberta, mediterrânica, e a sensação de nascer outra vez numa cidade onde ninguém te conhece", explica o italiano, "obviamente" adepto do FC Porto - já trabalhou no Estádio do Dragão - e a viver nos arredores, em São Mamede de Infesta, Matosinhos, com mulher e filho portugueses. "Para mim, é tudo Porto", atalha ele, enquanto beberica um café, numa das esplanadas do mítico Café Piolho, encantado com a possibilidade de "gerir o tempo sem stresse", ora a pé, ora viajando na vespa do avô ou guiando o seu velhinho Fiat 500. Viajado pelas capitais do mundo, vê no Porto "uma cidade feita à dimensão do Homem, calorosa, com muito para dar e descobrir", onde nunca sentiu "os horizontes limitados". Bom, bom era mesmo desenrascar um emprego fixo que o libertasse das formações em literatura e língua italiana que vai dando, agora que a tese de doutoramento sobre Nicolau Nasoni, o arquiteto que desenhou os Clérigos, está entregue. "Fiz questão de escrevê-la em português. É uma forma de devolver à universidade e à cidade o que fizeram por mim."

Visão Online, 16 de outubro de 2013

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