O desafio português no Mar: o domínio pela tecnologia
Por Vladimiro Miranda*
No Mar, o desafio português estende-se ao longo de 1,7 milhões de km2, o equivalente a um quinto do Brasil, nos quais se exerce a soberania ou a jurisdição económica exclusiva. Entre a Ibéria e os Açores, esconde-se uma paisagem de fundo submarino virtualmente inacessível, com um ambiente porventura mais hostil ao homem do que a superfície lunar.
Aceder a esse terreno exige avanços tecnológicos e industriais muito exigentes e coordenados. O desígnio, que se interpreta como nacional, será chegar e operar no abismo submarino.
O desígnio, que se interpreta como nacional, será chegar e operar no abismo submarino.
O INESC TEC é a organização privilegiada que pode cumprir esse papel. São quase 700 investigadores, dos quais 200 Doutores, desenvolvendo uma atividade que mobiliza um orçamento anual de cerca de 14 milhões de Euros: cerca de 40% resulta de contratos diretos de I&D com a indústria e perto de 30% vem de atividade internacional. Este Laboratório Associado, coordenado pelo INESC Porto, tem os seus créditos firmados internacionalmente nas áreas das tecnologias da informação, comunicação e eletrónica, bem como em energia e robótica, computação, sensores e gestão industrial e possui também uma forte âncora no Brasil, graças a uma rede de cooperação com um conjunto de Universidades.
OS DESAFIOS DO ABISMO SUBMARINO
O desenvolvimento sustentável de unidades industriais capazes de operar no abismo submarino é um desafio colossal: a resposta está em soluções de automatização e autonomização – incluindo sensorização, robotização (perceção e navegação, comunicações, consciência da situação e exploração do conhecimento) e, finalmente, energia. Acresce ainda a complexidade da telepresença e operação remotamente assistida, socorro, questões estruturais e dos transportes. A tudo isto pode o INESC TEC articular uma resposta forte.
Estes são desafios globais – mas as contribuições do INESC TEC a seguir detalhadas serão de inovação mundial e não apenas de repetição do caminho já explorado por terceiros.
Soluções de sensorização ajustadas ao meio marinho
O INESC TEC tem demonstrada a capacidade de conceção e fabricação de sensores de parâmetros físicos e biológicos.
O INESC TEC tem demonstrada a capacidade de conceção e fabricação de sensores de parâmetros físicos e biológicos. A contribuição no ambiente submarino a este nível assenta em métodos de sensorização óticos, em soluções de energização externa de sensores e, finalmente, em soluções wireless para colheita de dados.
Robotização aplicada à perceção e navegação
Desde 2007, o INESC TEC possui e opera de forma continuada veículos submarinos autónomos (AUVs) em águas costeiras (até 200 m), nomeadamente ao serviço das Águas do Oeste SA. Desenvolveu também soluções robóticas para inspeção detalhada de estruturas submersas, bem como para sistemas de posicionamento subaquático.
Um resultado desta atividade foi a recente exportação, para o Brasil, de um submarino do tipo TRIMARES (ver figura 2) para inspeção de leitos de albufeiras e órgãos submersos em barragens de aproveitamentos hidroelétricos.
O INESC TEC detém ainda experiência no desenvolvimento de soluções de operação de AUVs com reduzida logística de apoio e de grande autonomia energética (planador subaquático). No futuro, as soluções do INESC TEC na área de robótica autónoma submarina irão complementar-se com o controlo remoto e o transporte de dados recolhidos de sensores dispersos.
Tecnologias híbridas para as comunicações submarinas
O desafio na comunicação e navegação em águas profundas consiste em conseguir-se, em simultâneo, alcance longo e grande largura de banda. As comunicações acústicas, por exemplo, não permitem a transmissão de imagem em tempo real, o que é elemento necessário ao controlo remoto por operadores humanos. Tal supõe a conceção de soluções híbridas que o INESC TEC tem capacidade de projetar vitoriosamente – pois desenvolvem-se neste momento respostas para o problema das comunicações subaquáticas, tentando transferir informação através de ondas eletromagnéticas (rádio e óticas). Em algumas das alternativas, o INESC TEC antevê a possibilidade de modular comunicações sobre ondas de transmissão de energia, o que amplia o efeito inovador dos processos projetados.
O desafio na comunicação e navegação em águas profundas consiste em conseguir-se, em simultâneo, alcance longo e grande largura de banda.
Sistemas de interpretação e diagnóstico para ambiente marítimo
O INESC TEC já executa levantamentos por batimetria de leitos fluviais e marinhos e outros tipos de estudos, em atividade de prestação de serviços, seja visando a construção de barragens, seja o estudo da erosão costeira, estando assim familiarizado com as questões da aquisição de dados e sua interpretação.
Além disto, as soluções INESC TEC permitem a combinação de robots subaquáticos, de superfície e aéreos (aviões e pairadores/quadrirrotores), com enorme flexibilidade operacional e grande amplitude de captação de dados.
Finalmente, reside no INESC TEC uma forte especialização em sistemas gráficos e georreferenciados (para representação de dados) e sistemas inteligentes (para interpretação e extração de conhecimento), que podem fazer ponte de colaboração com especialistas de variados domínios científicos.
Soluções para baterias e energização de sensores
O INESC TEC pode oferecer soluções avançadas e originais para baterias e sistemas de energização de sensores em ambiente submarino, os quais são necessários para a transmissão de energia e potência wireless e para a energização à distância. Estes desafios permitem solucionar muitas questões associadas ao desenvolvimento de sistemas de sensoriamento, monitorização e navegação submersos que dependem de fontes de energia.
Soluções para automatização e robotização de equipamentos desassistidos
Finalmente, a capacidade demonstrada pelo INESC TEC em outros domínios, incluindo o aeronáutico e no desenvolvimento de soluções para sistemas críticos permite confiar na sua adaptação para o ambiente submarino. A ideia de que, em águas profundas, podem residir em permanência estruturas de exploração ou fabris envolve um desafio de fiabilidade e robustez excecional, já que não é de admitir a realização de operações humanas de manutenção ou reparação – e muito menos admitir uma paralisação por um bug do software. Com caráter especial, sublinha-se a feliz coincidência de residirem no INESC TEC as competências de especificação e desenvolvimento de software para sistemas críticos e com tolerância a falhas, onde as suas exigências de certificação e segurança se aproximam das existentes na aeronáutica ou aeroespacial.
UM PERCURSO CONSISTENTE NO MAR
O INESC TEC apresenta uma história sólida de cooperação em ambientes aquáticos e subaquáticos. Esta aventura começou em Portugal, em 2004, com um projeto para a empresa Águas do Douro e Paiva, mas que chegou além-fronteiras em 2012, com o desenvolvimento de uma solução robótica submarina autónoma para inspeção do leito da barragem brasileira do Lajeado.
Este percurso é coerente com o paradigma da cadeia da produção conhecimento à geração de valor que rege a atividade do INESC TEC: o saber e os resultados gerados na investigação fundamental são tipicamente injetados em projetos de transferência de tecnologia, originando relevância social acrescentada e imediata.
Por outro lado, o INESC TEC tem a capacidade de gestão de ciência e tecnologia necessária para suscitar a convergência de diversas organizações, instituições e empresas.
Por outro lado, o INESC TEC tem a capacidade de gestão de ciência e tecnologia necessária para suscitar a convergência de diversas organizações, instituições e empresas. Essa convergência manifesta-se, por exemplo, em acordos firmados com várias entidades: a destacar os protocolos com a Administração dos Portos do Douro e Leixões (APDL), no âmbito das tecnologias de informação e comunicação; com a Marinha Portuguesa, no âmbito da cooperação em robótica submarina; com o Centro de Investigação Martinha e Ambiental (CIMAR) Laboratório Associado, no âmbito da monitorização ambiental; e com o Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA), no âmbito da aplicação de instrumentação na monitorização de parâmetros ambientais e do desenvolvimento de equipamentos e sistemas, nos vários níveis de autonomia, para apoio à aquacultura offshore. Outras entidades nacionais, em particular do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, serão progressivamente convocadas.
A materialização dos objetivos do INESC TEC para o abismo submarino pressupõe também um relacionamento com empresas com interesse direto na exploração do mar e ambiente submarino. Sem implicar neste momento qualquer compromisso, podem identificar-se alguns atores nacionais importantes: a GALP e o seu interesse na exploração de combustíveis fósseis; o grupo Energias de Portugal (EDP), considerando as suas atividades de geração e energia offshore; ou até a Eletricidade dos Açores (EDA), quem sabe, devido a um interesse antigo no estudo de soluções de interligação de ilhas por cabo submarino. Não é uma lista exaustiva, trata-se apenas de demonstrar que a indústria portuguesa não é alheia ao mar e aos desafios tecnológicos que origina.
E, depois, elemento não menos importante na equação, poderá inventariar-se um leque de empresas com forte capacidade de construção de equipamentos e inegável implantação internacional. Temos, assim, em Portugal reunido o triângulo virtuoso: geradores de conhecimento, clientes de soluções e produtores de bens de equipamento. Será da articulação destes três vértices que se construirá o futuro de Portugal no mar – assim se encontre o catalisador oportuno.
SUPERAR O ABISMO SUBMARINO
O INESC TEC tem condições para implementar um esforço plurianual visando vencer as barreiras tecnológicas que se opõem à navegação e exploração do mar, em particular das águas profundas.
O INESC TEC tem condições para implementar um esforço plurianual visando vencer as barreiras tecnológicas que se opõem à navegação e exploração do mar, em particular das águas profundas.
A sondagem (e potencial exploração) petrolífera no offshore, que já decorre, e o potencial de exploração mineira são duas justificações para o esforço a desenvolver. Trata-se de um esforço nacional para que uma parte substancial das tecnologias e conhecimento necessários permaneçam propriedade intelectual portuguesa e permitam a emergência de uma indústria tecnológica adaptada aos desafios do mar e do mar profundo.
O desígnio, que se interpreta como nacional, será chegar e operar no abismo submarino com um saber tecnológico que seja, fundamentalmente, nosso. Afinal, não foram essas as duas componentes da epopeia marítima de 500: uma visão de grandeza e uma tecnologia superior?
Autoria: Professor Vladimiro Miranda, Diretor do INESC Porto (entidade coordenadora do INESC TEC) e Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
*Diretor do INESC Porto
Revista da Marinha, outubro de 2012