Mobilidade Urbana e Sustentabilidade
JORGE PINHO DE SOUSA
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto/INESC Porto
Programa MIT Portugal (Sistemas de Transportes)
CONTEXTO
De facto, as grandes concentrações urbanas geram, diariamente e pela sua própria natureza, enormes fluxos de pessoas e de bens. Uma parte destes fluxos tem um caráter regular, refletindo as deslocações pendulares casa / trabalho / casa ou, no caso dos produtos e mercadorias, os movimentos diários, em geral, previamente programados. Apesar de uma evolução no sentido de estes movimentos se distribuírem no tempo, verifica-se uma forte concentração em horas específicas do dia, com congestionamentos e um aumento significativo dos tempos de deslocação, dos consumos de energia e da poluição.
Na prática, nas suas deslocações regulares (que chegam a representar mais de 90% do total), as pessoas têm de optar entre usar o automóvel ou o transporte público, num compromisso por vezes difícil de racionalizar mas que reflete preocupações com custos, autonomia, comodidade ou flexibilidade nos movimentos.
O peso relativo destas escolhas (modais) reflete também uma série de valores e é fortemente dependente do contexto cultural e de desenvolvimento, dos preços dos combustíveis e dos transportes públicos.
A gestão estratégica destes sistemas (ou seja, a definição de políticas e a sua implementação) é um problema de uma grande dimensão, conduzindo tipicamente ao desenho de soluções com que se procura aumentar a fluidez do trânsito e a velocidade das deslocações. Essas soluções têm, em geral, elevados custos de investimento (já que se referem a infraestruturas) e representam uma ocupação do solo urbano negativa e que é, muitas vezes, feita em detrimento da criação de equipamentos e espaços comerciais ou de lazer.
TRANSPORTES PÚBLICOS E INTERMODALIDADE
A promoção dos transportes coletivos é consensualmente entendida como positiva, no sentido da qualidade de vida urbana e de uma menor agressão ambiental A diminuição significativa dos consumos de energia, da poluição e dos congestionamentos justificam que se promova a transferência do carro para o transporte público.
Hoje, nas grandes metrópoles, os transportes públicos são fortemente intermodais e organizados de uma forma hierárquica (comboios suburbanos, metro, elétricos, autocarros,…) cuja articulação é absolutamente decisiva para os passageiros. Desta forma, as interfaces modais desempenham um papel decisivo. Quanto mais fácil, cómoda e agradável for a mudança de modo, menos penalizante será o uso do transporte público.
Por outro lado, novas formas de otimização de "recursos" como a adoção de modelos de “car-sharing","car-pooling" ou de táxis coletivos, constituem formas interessantes de realizar economias de energia e custos.
Os chamados transportes flexíveis ("demand responsive transport systems") são também uma forma de responder a necessidades de mobilidade cada vez mais variadas e Imprevisíveis (padrões de viagem mais difusos, baixa procura em determinadas áreas ou períodos,…) que o transporte público convencional não satisfaz. Estes serviços podem ser organizados de formas muito variadas, com modelos de negócio diferentes, variando o tipo e as formas de fazer as reservas, as tarifas, etc.
De qualquer forma, há que notar que todos estes sistemas dependem fortemente de avançados sistemas de informação e comunicação que gerem grande quantidade de informação, parte dela em tempo real. Estes sistemas de transportes devem também ser vistos como capazes de al 1mentarem e complementarem os sistemas de transportes tradicionais, com importantes ganhos energéticos e de flexibilidade.
TRANSPORTE DE MERCADORIAS E LOGÍSTICA URBANA
Com as alterações climáticas e o constante crescimento dos custos da energia, torna-se mais evidente a necessidade de sistemas de transportes de mercadorias mais eficientes, limpos e menos poluentes. Atualmente, na UE, 44% das mercadorias são transportadas por camião (sendo que 41% são transporte marítimo de curta distância, 10% são via férrea e 4% são por barco em canais no interior) com a previsão de 47'k em 2014. No seu conjunto, os transportes são supostamente responsáveis por 23% de todas as emissões de C02.
Uma progressiva transferência modal (por exemplo, com a promoção do transporte ferroviário) e o recurso otimizado à intermodalidade poderiam ter um papel decisivo nos consumos energéticos e na eficiência destes sistemas. E aqui, uma parte dessa eficiência dependerá de sistemas mais sofisticados de gestão (multimodal) dos transportes e de rastreamento das mercadorias, que passam por formas mais avançadas de co labo ração e de partilha das capacidades de transporte, com a otimização de custos e de tempos, permitindo, por exemplo, a reconfiguração dinâmica das rotas quando ocorrem acontecimentos imprevistos.
É também reconhecido que estes sistemas serão mais eficientes, permitindo uma consciência dos aspetos ecológicos, se tornarem visível, e em tempo real a informação detalhada da "pegada de carbono" associada a cada produto individual que é transportado. A história e os dados acumulados permitiriam também apoiar a tomada de decisões e definir políticas de gestão destes sistemas menos consumidoras de energia e mais amigas do ambiente. Por exemplo, pela partilha de espaço em contentores, pela utilização de entrepostos e armazéns comuns, etc.
Estas questões têm também todo o sentido no que se refere à logística urbana. Com o crescimento das cidades e das expectativas dos seus habitantes, em termos de qualidade vida, têm aumentado mu1to a quantidade e a variedade de produtos que chegam diariamente ao centro das cidades e que neles têm de ser guardados e comercializados.
Os impactes dos transportes e movimentos que estão associados a esta logística são muito significativos, desde os congestionamentos (como resultado das operações de carga ou descarga) ao acréscimo das emissões de gases poluentes.
Naturalmente que veículos mais "limpos" (movidos a eletricidade) poderão minorar significativamente estes impactes negativos. Mas dada a multimodalidade característica destes sistemas, a sua complexidade, e as suas interações com a restante mobilidade urbana, é natural que contribuições como as referidas (partilha de cargas, controlo e rastreamento dos materiais e veículos, otimização dinâmica das rotas) possam ter uma grande importância na prática. Isto é, a solução deverá passar mais pelo desenho de novos "sistemas" logísticos mais abrangentes e integrados, baseados nas novas tecnologias de informação e comunicação.
MOBILIDADE ELÉTRICA
Os veículos elétricos poderão, naturalmente, desempenhar um papel relevante, no sentido da sustentabilidade do sistema de transportes e da sua eficiência.
Como hoje se fala frequentemente do "automóvel elétrico", esquecem-se outros veículos (metro, "elétricos", "trams",... ) que, pela sua capacidade, poderão ter um papel decisivo em sistemas integrados e organizados "hierarquicamente" e substituir uma parte considerável dos automóveis.
É claro que a possibilidade de usar os veículos como buffers de energia constitui uma vantagem na gestão da rede elétrica, permitindo cobrir pontas de consumo, utilizando a energia produzida por fontes renováveis nos períodos de baixo consumo. Poder-se-á assim, de várias formas, estimular e acelerar a adoção de veículos elétricos, mas todo este processo está fortemente dependente das tarifas da energia e dos modelos de negócio a adotar, o que, neste momento, parece criar um conjunto de incertezas bastante crítico.
No entanto, a progressiva substituição dos automóveis é uma pequena parte da questão, já que há que ter em conta que estes veículos Integram um sistema complexo de distribuição e gestão de energia elétnca, a que estarão associados novos paradigmas de mobilidade.
De facto, corre-se o risco de que carros elétricos baratos e eletricidade barata (em grande parte produzida com custos marginais muito baixos) possam Induzir fortes movimentos para a substituição dos carros tradicionais e o abandono "significativo" do transporte coletivo, com fortes problemas de congestionamento das cidades, de ocupação do espaço urbano (em termos de estacionamento e Circulação) e, eventualmente, um aumento do número de acidentes. Globalmente tal resultará em Ineficiências energéticas significativas.
É, por isso, essencial, que a adoção dos veículos elétricos, seja acompanhada de medidas visando a integração intermodal com os transportes públicos (comboios suburbanos, metro, autocarros,...) e a promoção dos sistemas de táxi coletivo, "car-sharing", "car-pooling", transportes flexíveis.
Por outro lado, a aceitação e a adoção destes veículos estará sempre fortemente dependente de questões tecnológicas (como autonomia, o tempo de recarga da bateria ou a sua fiabilidade e durabilidade), bem com dos estímulos que se possam criar para acelarar a sua penetração, eventualmente com soluções interessantes para os atuais proprietários de veículos tradicionais. Outras questões serão também decisivas neste sentido, como, por exemplo, o modelo de negócio das baterias (posse ou serviço), o facto de a rede de trocas ser vulnerável face à provável evolução tecnológica das baterias, ou os sistemas de reciclagem de baterias.
CONCLUSÃO
As questões levantadas por uma crescente mobilidade urbana, em termos de consumos energéticos e emissões de gases poluentes não poderão ser resolvidas exclusivamente com o recurso a tecnologias mais limpas e eficientes, como é o caso dos veículos elétricos.
No que se refere à mobilidade de pessoas, só a promoção dos transportes coletivos, com novas formas mais eficientes e cómodas de organização, assentes no reforço da intermodalidade e na comodidade das interfaces poderá vir a constituir uma alternativa global sustentável. Este esforço deverá integrar o transporte individual, em carro próprio, desejavelmente partilhado, que poderá, em muitos casos, constituir uma primeira (ou última) componente de percursos envolvendo vários modos (por exemplo, nas deslocações casa / trabalho / casa).
A mobilidade elétrica poderá desempenhar aqui um papel relevante, mas apenas desde que os automóveis elétricos não se tornem (por razões de custos) tão "atrativos" que tendam a substituir os transportes coletivos, o que acarretaria mais congestionamentos e globalmente, ineficiências energéticas significativas.
Por outro lado, as tecnologias de informação e comunicações, permitindo uma otimização dinâmica, e em tempo real, dos fluxos de trânsito e das deslocações individuais, deverão desempenhar um papel relevante nestes sistemas.
É assim absolutamente essencial que as políticas para a mobilidade urbana assentem numa visão estratégica de longo prazo, capaz de integrar as perspetivas e objetivos dos múltiplos atores envolvidos, por forma a garantir a sustentabilidade de sistemas de grande complexidade e dimensão, essenciais para a qualidade de vida das populações.