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José Manuel Mendonça: o INESC Porto e o estado da ciência e tecnologia em Portugal

Investimento em ciência e tecnologia por parte do estado e das empresas, e esforço dos laboratórios e centros de investigação por ir de encontro às grandes áreas de aplicação: é este o caminho apontado pelo presidente do INESC Porto, José Manuel Mendonça...
José Manuel Mendonça: o INESC Porto e o estado da ciência e tecnologia em Portugal

José Manuel Mendonça

Quais são as principais áreas de atuação do INESC Porto?

Temos atuação numa grande diversidade de áreas, muitas delas com matriz ligada às tecnologias de informação, comunicação, eletrónica e automação… Todas elas orientadas para resolver problemas em grandes áreas de aplicação e negócio, como as energias, telecomunicações, sistemas multimédia, indústrias…

Em 2012 tínhamos 259 projetos abertos em simultâneo… Temos projetos de investigação mais a montante, essencialmente financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, em áreas que vão da bioengenharia à física, passando pelas fibras óticas, pelos sensores, ou redes elétricas inteligentes. Temos projetos de investigação aplicada em parceria com empresas nacionais e internacionais. E temos ainda atividades de transferência de tecnologia… em áreas nas quais não há no mercado clientes para o nosso saber, podemos lançar novas empresas que transformam as tecnologias resultantes dos nos projetos em negócios.

Que papel assume o INESC Porto no panorama do desenvolvimento científico e tecnológico em Portugal?

Nós somos apenas um entre os mais de 20 laboratórios associados reconhecidos no país… Mas aquilo que eu acho que nos distingue é que em cada área de atuação temos uma cadeia de valor integrado. Isto é, em cada área temos pessoas que desenvolvem a investigação mais fundamental, depois temos projetos em parceria com empresas e projetos de prestação de serviços e transferência de tecnologia. Portanto nós queremos, em cada área em que estamos, ser capazes de desenvolver novo conhecimento, testá-lo em empresas e depois transferi-lo para o mercado. Acho que este modelo de cadeia de valor completa é único, e assim conseguimos maximizar o valor que é transportado da investigação para a aplicação e a valorização económica.

Acha que é este o caminho para valorizar a ciência?

Há vários modelos para organizar atividades de investigação. Eu diria que se o INESC Porto estivesse na Alemanha, ou Inglaterra, ou nos Estados Unidos, o nosso modelo não seria este. Porque nesses países as empresas são capazes de vir mais a montante na cadeia de valor, têm uma capacidade de interação com as universidades e os centros de investigação mais a montante. Já o nosso tecido empresarial é mais pobre, e por isso temos nós de ir mais a jusante do que seria desejável. Achamos que estando em Portugal somos mais eficazes na nossa missão se formos ao encontro das necessidades das empresas.

“Faz parte da nossa missão ajudar a melhor o tecido produtivo português!”

A internacionalização também tem sido um objetivo ou têm trabalhado mais para o nosso país?

Para além da produção de ciência de excelência internacional, faz parte da nossa missão ajudar a melhor o tecido produtivo português… Mas obviamente que não trabalhamos exclusivamente com empresas portuguesas e temos seguido passos de internacionalização, quer na europa, participando em projetos de investigação europeus, quer no Brasil onde criamos um instituto com algumas universidades, num modelo semelhante ao nosso, o INESC P&D Brasil. Neste momento cerca de 40% do nosso financiamento é internacional.

Como presidente de um importante centro de investigação, qual é a sua principal preocupação neste momento?

Há duas grandes preocupações. Uma, naturalmente, é o problema da estabilidade em termos de políticas de ciência e inovação, e em termos macro-económico-financeiros. A instabilidade das políticas públicas afeta o financiamento da ciência e a instabilidade dos mercados afeta o desempenho económico das empresas portuguesas, dificultando a compra de serviços e projetos ao INESC. Esta instabilidade pode fazer com que nós tenhamos de diminuir de tamanho e perder os melhores… os melhores que vão sempre para fora do país!

A segunda preocupação é o facto de não haver em Portugal uma cultura de reconhecimento das instituições. Há o reconhecimento do “cientista genial” que recebeu um prémio, há o reconhecimento de um projeto interessante que também foi reconhecido internacionalmente, mas não o reconhecimento do papel das instituições.  E a verdade é que os grandes sucessos vêm sempre de instituições (seja uma faculdade, um laboratório associado, ou um instituto de interface). Elas formam-se como organizações para fazer aquilo que uma pessoa ou um pequeno grupo individualmente não conseguem fazer, e isso não é muito reconhecido nem por parte do poder público nem por parte das empresas…

Que ponto de situação faz do desenvolvimento científico em Portugal? Estamos realmente a deixar sair os melhores investigadores?

Indiscutivelmente estamos melhor que há 5 anos, muito melhor que há 10 anos e muitíssimo melhor que há 20 anos. Se virmos os indicadores de produção de ciência e mesmo de transferência de tecnologia há uma evolução muito positiva, mesmo em termos de absorção de “know-how” pela indústria, diretamente das universidades e centros de investigação. Em termos de indicadores científicos e de formação estamos bastante bem a nível europeu, mas em termos de transformação em valor económico não estamos tão bem... O caminho a ser feito ainda é longo: há fragilidades no nosso sistema científico e o nosso tecido empresarial ainda está em transformação. Em muitos setores ainda não se percebeu a importância da ciência e da tecnologia, mas o futuro passa necessariamente por aí.

No futuro deverão ser as empresas o principal financiador da ciência e da tecnologia?

Deve haver sempre um papel complementar entre o Estado, que financia a ciência em que o resultado é de domínio público, como são artigos em revistas internacionais que dão prestígio ao país, doutorados, etc.; e as empresas, que financiam a investigação aplicada cujos direitos de propriedade querem garantir, para aplicar esse conhecimento nos seus produtos, processos e serviços. Foi com o equilíbrio entre o investimento público e o investimento privado que todos os países se desenvolveram. Portugal tradicionalmente teve sempre um papel do estado mais preponderante… Nesta fase, infelizmente, quer o estado, quer as empresas têm dificuldades em financiar a investigação…

"O caminho é ter coragem!"

Na sua prespetiva, qual o caminho a seguir para responder a este cenário?

O caminho é ter coragem, quer do lado do investimento público, quer do lado do investimento privado! Perceber que não se pode olhar só para o curto prazo, e que o investimento é crucial para o médio/longo prazo. Se a prespetiva do estado e das empresas for meramente economicista vão matar o seu futuro. Vejamos o exemplo da Irlanda que também está crise económica, mas as opções de políticas públicas têm passado por manter o financiamento público à investigação incólume… Basta pensar que os produtos e serviços cada vez estão mais penetrados por tecnologia, os processos de produção nas indústrias cada vez estão mas sofisticados e com mais tecnologia. Por isso se não quisermos regredir o futuro tem de ser pela aposta na qualificação e na ciência e tecnologia!

E temos muitas potencialidades no país?

Temos, isso é reconhecido… O mar, por exemplo, é um recurso de que toda a gente fala como tendo um grande potencial, e se virmos bem, tudo o que há para explorar no mar precisa de ciência e tecnologia. Para explorar as potenciais riquezas do nosso país é preciso sempre conhecimento, ciência e tecnologia emergente.

Qual é o seu principal desejo para o futuro?

Eu gostava muito que houvesse um reconhecimento da eficácia e do poder do modelo que é praticado no INESC Porto. Um modelo que tem provas dadas, e que em 30 anos de existência tem vindo a evoluir, a transforma-se e a adaptar-se… É um modelo ao serviço da Universidade e ao serviço da sociedade. O nosso objetivo é, fazendo investigação socialmente relevante e com potencial impacto económico, devolver à sociedade aquilo que ela investe em nós!

Ciência 2.0, 8 de julho 2013

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