INESC P&D Brasil trilha caminhos rumo à consolidação
Relações com país irmão começaram há mais de uma década e meia
Os primeiros projetos do INESC Porto com o Brasil remontam a 1997. Na época, as relações assentavam nas ligações individuais que muitos professores e investigadores do INESC Porto possuíam com a academia e indústria brasileiras. Dessas relações até à instituição de uma entidade de pesquisa e desenvolvimento no local foi um passo ousado.
A partir de 2010 as intervenções no mercado brasileiro passaram, então, a ser coordenadas. É por essa altura, mais precisamente em julho de 2011, que é instituído o Gabinete Brasil, coordenado por Mauro Rosa, que funciona como interface entre o INESC TEC e o mercado brasileiro com o objetivo de ativar a cooperação entre os dois países, prestando apoio fiscal, jurídico, administrativo e moderando a transferência de tecnologia e projetos entre as entidades parceiras.
Inscrito na Receita da Fazenda Federal desde junho do ano passado, o INESC P&D Brasil, instituição criada à imagem e semelhança do INESC TEC, começa agora a aglutinar algumas universidades na sua Rede com o objetivo de transferir tecnologia e criar valor a partir do Brasil. Os convénios assinados, ou em assinatura, com universidades brasileiras são já mais de uma dezena.
Nos planos de Vladimiro Miranda, Presidente do INESC P&D Brasil, Alexandre Rocco, Diretor Executivo e Mauro Rosa, Diretor e também Coordenador do Gabinete Brasil no INESC TEC, estão a aceleração da atividade científica de cooperação multilateral, a promoção de laboratórios no Brasil integrados na Rede INESC Brasil e o lançamento naquele país de empresas spin-off. O seu objetivo será, aproveitando o que já se encontra feito pelo INESC TEC e considerando as especificidades do caso brasileiro, conciliar a tecnologia INESC TEC com a capacidade e competência locais, gerando mais I&D no mercado brasileiro e europeu e envolvendo a Rede INESC Brasil nesta atividade.
“O ciclo tecnológico brasileiro atual já permite que nós pensemos em colocar um projeto como o Trimares, por exemplo, numa linha industrial totalmente transferida para a indústria brasileira e aquilo que nós queremos e identificamos como necessário é que alguma empresa nasça deste processo, que assuma esta tecnologia”, explica o coordenador do Gabinete Brasil que identifica, assim, o lançamento de spin-offs como outro dos desígnios.
Maiores obstáculos são formais
A este modelo de gestão de ciência e tecnologia, de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, que dificilmente encontra par na América do Sul, já lhe são conhecidas algumas vantagens. Além de ter potencialidade para grandes projetos multidisciplinares e até uma vertente de internacionalização, o modelo beneficia da dimensão INESC TEC, da capacidade de gestão de ciência e tecnologia associadas e da capacidade de transferência e valorização do Laboratório Associado, para além do poderoso recurso que são as universidades brasileiras parceiras.
No entanto, apesar de ter pela frente um futuro bastante promissor, o contexto do Brasil pode encerrar algumas “armadilhas”. “O mercado é complicado e existem algumas entidades similares ao INESC P&D Brasil com grande capacidade”, ou não fosse o Brasil um país que atrai cada vez mais investimento estrangeiro.
Ainda assim a concorrência preocupa pouco os diretores que têm a seu favor o facto de a entidade possuir na sua direção dois brasileiros (Alexandre Rocco e Mauro Rosa). Ser percecionado como mera “testa de ferro”, além de profundamente injusto, seria negativo para uma afirmação que se pretende de raiz brasileira. O INESC P&D Brasil tem precisamente como planos incentivar a criação de laboratórios avançados em várias regiões do Brasil, com âncora nos seus parceiros locais mas gerando sinergias com toda a rede. A verificar-se, esta será uma contribuição para uma pequena revolução em marcha no Brasil que é a do estabelecimento de reais ações de cooperação interuniversidades, a exemplo dos modelos da União Europeia.
O INESCP&D Brasil não será por isso uma entidade concorrente com as universidades brasileiras mas, efetivamente, um parceiro que lhes acrescentará valor. "O ovo de Colombo do esquema", confidencia Vladimiro Miranda, "está num modelo onde é fácil demonstrar a criação de valor para as universidades brasileiras, para a indústria brasileira e para os desígnios nacionais brasileiros. É um projeto ganha-ganha, porque se a atividade dos parceiros brasileiros aumentar muito em qualidade e quantidade, todos enquanto parceiros seremos beneficiados".
Mas de todas as ameaças, os Diretores confessam que as que mais receiam são as exigências burocráticas ou formais, que podem dificultar significativamente a concretização de um projeto que vai além da geração de ciência e que, num figurino pouco ortodoxo, pretende capitalizar numa ligação das universidades à indústria e numa interação internacional. "Nessa matéria, o Brasil ainda está muito "enrolado", precisa de dar passos de simplificação corajosos e sem preconceitos ideológicos".
Petróleo, aeronáutica e energia são as grandes apostas para este ano
A tecnologia portuguesa é, assim, bem-vinda num país em desenvolvimento e carente de algumas valências. Entre as áreas identificadas de grande potencial de cooperação e nas quais o INESC TEC concentra todos os seus esforços, encontra-se o petróleo, a aeronáutica e a energia.
Em marcha estão presentemente seis projetos, fundamentalmente para o setor da energia elétrica. O Parafuzzy, projeto na área da análise de redes em tempo real, utilizando lógica paraconsistente anotada para modelagem de condições de incerteza de carregamentos em pontos não monitorados, conta com a Universidade de Santa Cecília (UNISANTA), em São Paulo, como parceira, tendo ainda a Eletropaulo como empresa contratante. Outro projeto que envolve as mesmas entidades é o SIMULESP, um simulador especialista de tempo-real para apoio à decisão.
Na área dos sensores e fibras óticas está a ser desenvolvido, em conjunto com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), o TECCON - tecnologia de sensores em fibras óticas para supervisão, controlo e proteção de sistemas de energia elétrica. O TECCON é contratado pela TBE, conjunto de nove concessionárias de transmissão de energia elétrica, atuando nos estados do Pará, Maranhão, Santa Catarina, Mato Grosso e Minas Gerais.
O TriMARES (sistema inteligente de supervisão georeferenciada de reservatórios através de veículo autónomo) incluiu o fornecimento de um robô submarino que já se encontra do outro lado do Oceano Atlântico. Financiado pelo consórcio Lageado (liderado pela EDP do Brasil), o TriMARES está a ser trabalhado pelo INESC TEC em colaboração com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) por forma a constituir um sistema de inspeção de barragens, sedimentação nos reservatórios e qualidade da água.
Em parceria com a Universidade de São Paulo/São Carlos (USP/SC) está em progresso o desenvolvimento de um sistema computacional para coordenação de relés direcionais em sistemas de transmissão emalhados. O objetivo é o desenvolvimento de uma tecnologia de proteção servindo a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP).
Em fase de conclusão está o ONS-PrevParq, consultoria de apoio ao desenvolvimento de um sistema de previsão de potência eólica. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é a entidade financiadora. O projeto conta com o empenhamento da Universidade Federal de Pernambuco que tem a missão de desenvolver modelos experimentais de previsão aplicáveis ao Brasil.
Com início previsto para breve (março) está o desenvolvimento da tecnologia de aplicativo de fluxo de potência no nível de subestação para análise de superação de barramentos, um projeto que envolve o INESC P&D Brasil, a CTEEP e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Há ainda forte esperança no arranque de uma cooperação no setor dos petróleos, tendo em vista o êxito dos workshops realizados em 2012 com a Petrobrás (um no Porto e outro no Rio de Janeiro). Há desafios tecnológicos identificados, parcerias constituídas no cenário brasileiro alinhando universidades e apenas se espera a ultrapassagem de algumas questões de natureza formal para ser dada luz verde a uma atividade plena.
Por outro lado, constando da história de grupos do INESC TEC a colaboração com o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), parece ter excelentes perspetivas uma aproximação daquela prestigiada instituição à Rede INESC Brasil, reforçando ligações à Embraer que, como é sabido, também tem interesses industriais em Portugal.
Nesta onda de projetos, algumas unidades vão-se mantendo mais intervenientes do que outras. Historicamente, a Unidade de Sistemas de Energia (USE) é uma das mais ativas, nas relações com o Brasil, a par da Unidade de Optoeletrónica e Sistemas Elétricos (UOSE), e da Unidade de Robótica e Sistemas Inteligentes (ROBIS), que tem participado crescentemente neste esforço. Mas, no geral, qualquer unidade do INESC TEC encaixa bem na realidade do país irmão, uma vez que “existe uma grande margem de progressão e complementaridade no Brasil”, justifica Mauro Rosa.
“É preciso mudar o paradigma de abordagem das unidades face ao mercado brasileiro”
O Gabinete Brasil conta na sua estrutura com seis elementos. Tendo Mauro Rosa como coordenador, deste gabinete faz também parte Paula Faria, que preside igualmente ao conselho fiscal do INESC P&D Brasil. Teresa Antunes providencia apoio jurídico, Leonardo Bremermann dá apoio à gestão, Vanda Ferreira é a responsável pela gestão de projetos, Grasiela Almeida é a secretária e o diretor Vladimiro Miranda colabora também ativamente com o gabinete.
Uma grande parte da prospeção de mercado no Brasil é feita pelo Gabinete, sendo que esta é uma das fragilidades do sistema atual. Para Mauro Rosa será necessário apoiar as unidades do INESC TEC para que possam melhorar a interação com o contexto brasileiro e, na opinião do coordenador, ninguém melhor do que as próprias Unidades para identificar as principais necessidades do Brasil e conjugá-las com aquilo que cada uma pode oferecer.
“O Gabinete Brasil corre o risco de funcionar como um filtro no processo de ligação entre as Unidades e a realidade brasileira e não tem essa ambição nem capacidade. Deve sim ser um facilitador. O objetivo é que haja um maior envolvimento por parte das Unidades, que sejam as próprias a compreender o mercado, fazer o trabalho de prospeção, utilizando a ajuda do Gabinete Brasil”, explica o seu coordenador. “Há necessidade de construção de um plano de cada Unidade relacionado com o Brasil e uma abordagem à realidade brasileira de uma forma coordenada”, conclui.
“A filosofia do INESC P&D Brasil é gerar atividade no Brasil e para o Brasil – e oferecer ao Brasil mais uma janela de oportunidade na internacionalização da academia brasileira. Para isso contamos com a capacidade de investigação do INESC TEC, do INESC P&D Brasil e da Rede INESC Brasil, a qual contempla um grande número de Universidades Brasileiras. Nessa condição todos ganham: desde o INESC TEC aos parceiros brasileiros e à indústria brasileira. A investigação no Laboratório Associado continua, vamos fazer investigação aqui dos problemas que encontramos lá, para dar resultados para lá”, resume Mauro Rosa. "Será um prazer contribuir para o desenvolvimento do país que tem essa gente com tanto do nosso genoma – biológico e cultural", finaliza Vladimiro Miranda.
*Créditos Foto Unversidade Federal de Santa Catarina e UNICAMP: Wikipédia