Este robô nacional vai mudar a vindima (Exame Informática)
Houve tempos que os jumentos eram presença assídua na agricultura. Esses tempos podem ter passado, mas o conceito pode estar em vias de ser recuperado: «Nós queremos criar uma mula, mas queremos que seja inteligente a movimentar-se no meio da vinha e com recurso a mapeamento», explica Filipe Neves dos Santos, investigador do Centro de Robótica Industrial e de Sistemas Inteligentes do INESC TEC. Quem olhar para o Agrob V16 dificilmente consegue reconhecer uma mula. Em vez de pernas, há quatro rodas de todo-o-terreno; em vez de olhos e orelhas há um conjunto de câmaras e lasers; e em vez de ração ou vegetais, há apenas eletricidade e baterias. O Agrob V16 não escoiceia nem tem caprichos ou teimosias, mas deverá estar apto a andar sozinho num pomar ou numa encosta de vinha a transportar equipamentos que permitem obter estimativas da maturação da fruta, fazer a poda de árvores e arbustos e ainda levar a cabo colheitas seletivas. No início de 2017, se verá se o Agrob V16 está apto a ser a “mula” do século 21: «Estamos em conversações com agricultores para testar o Agrob V16 nas encostas do Douro», informa o investigador do instituto portuense.
Nos laboratórios do INESC TEC existem atualmente duas versões do Agrob V16: uma com um peso de cerca de 60 quilos e uma segunda de apenas 15 quilos. Ambas as versões foram desenhadas para funcionarem de modo autónomo, sem o uso de comandos remotos, e de preferência sem percalços. «Temos de garantir que não há danos para os humanos», acrescenta Neves dos Santos.
Para garantirem a autonomia dos robôs agricultores, os investigadores do INESC TEC tiveram de recorrer a um conjunto de tecnologias: o GPS faz parte da solução, mas não deverá atuar sozinho. Também se prevê o uso a sistemas LIDAR, um sensor de profundidade (vulgo “Kinect”) e câmaras de estereoscopia. Com todas estas tecnologias, o Agrob V16 consegue mapear uma unidade agrícola, criando marcadores (árvores, rochas, edifícios, etc,) que servem de referência. As coordenadas fornecidas por estes marcadores poderão ser complementadas por marcadores artificiais, que mais não são que emissores de radiofrequências. «O Agrob V16 tem de saber a qualquer momento onde se encontra. Quando não há GPS, começam a ser usados automaticamente os marcadores», explica Filipe Neves dos Santos.
O mapeamento pode ser um fator crítico, mas não chega, por si só, para evitar incidentes num cenário dominado pela irregularidade e por elementos em movimento (pessoas, máquinas, animais, ramos de árvores e arbustos empurrados pelo vento). E por isso, o robô deverá contar com um sensor de obstáculos, que trava a marcha sempre que se depara com um objeto rígido. «O sistema tem capacidade para distinguir a erva, que é mole e flexível, de uma rocha, que é dura e pode estar escondida pela erva», explica o mentor do Agrob V16.
MONITORIZAÇÃO E NÃO SÓ
Os primeiros testes deverão ser levados a cabo em unidades vitivinícolas e terão por único objetivo a recolha de dados relativos à fotossíntese e à maturação da vinha. «Também dispomos de câmaras térmicas, que poderão ser usadas nestes testes, caso haja utilidade no uso dos dados», sublinha Filipe Neves dos Santos. Depois destes primeiros testes que deverão incidir apenas na eficácia dos equipamentos de mapeamento e de monitorização da vinha, fica em aberto a possibilidade de incorporar equipamentos que podem ser usados na poda e na colheita seletiva da uva. Filipe Neves dos Santos chama a atenção para um detalhe: hoje, há sistemas mecanizados que permitem fazer a vindima, mas acabam por soltar a uva do engaço (os caules que suportam cada cacho). O que leva a uva a iniciar, precocemente, o processo de fermentação e faz com que esses processos mecanizados não possam ser usados nas vindimas do Douro. «No vinho do Porto, não pode ser usada uva que já está em fermentação», sublinha o investigador do INESC TEC.
Na poda e na colheita de uva deverão ser testados braços robóticos que terão as ferramentas necessárias acopladas para executar essas tarefas. Os investigadores do INESC TEC acreditam que podem introduzir melhorias capazes de levar estes equipamentos a superarem os humanos na poda e na colheita de frutos. Também se prevê a realização de testes com sistemas de pulverização. Os primeiros testes com estas ferramentas só deverão acontecer depois de 2018.
Apenas a versão de maiores dimensões do Agob V16 deverá ser usada com estes equipamentos acoplados (a versão de 15 kg será usada apenas na monitorização de árvores e frutos). O recurso a estas tecnologias fará com que o peso do robô passe de 60 Kg para cerca de 100 Kg. Este peso total poderá diminuir com o desenvolvimento de ferramentas mais eficientes.
A inclusão de equipamentos terá como resultado o previsível aumento do consumo energético. O que pode ser limitador do raio de ação e do número de tarefas executadas durante uma jornada de trabalho. Para já, o autómato apenas dispõe de energia para duas horas de funcionamento. «É um dos desafios que teremos de superar. Acreditamos que podemos vir a tirar partido dos avanços da indústria dos carros elétricos», conclui Neves dos Santos.
Como se faz um agricultor robótico?
O Agrob V16 dispõe de um motor elétrico com uma potência de 500 Watts, que permite deslocações a velocidades máximas de dois metros por segundo. A deslocação é feita com tração às quatro rodas. Todas as funções são geridas através de um sistema operativo ROS (Robot Operating System). O uso de múltiplas tecnologias com propósitos similares está diretamente relacionado com o grau de eficácia que é exigido aos robôs agricultores: «Usamos vários sistemas distribuídos para garantir a redundância. Além de se complementarem, estes sistemas supervisionam-se uns aos outros, para evitar erros», explica Filipe Neves dos Santos. O novo autómato poderá ser usado numa lógica de modularidade. O que significa que, no futuro, o agricultor poderá optar por usar a máquina numa configuração que se limita a monitorizar e a recolher dados em unidades agrícolas, ou enveredar pela inclusão de ferramentas de poda, colheita, pulverização de inseticidas ou recolha de biomassa. Algumas destas funcionalidades estão dependentes da investigação que vai ser levada a cabo nos próximos tempos. «Atualmente, o mapeamento 3D ainda apresenta uma margem de erro de 20 a 30 centímetros. É uma margem de erro que pode ser crítica se estivermos a mapear uma planta», refere Filipe Neves dos Santos, lembrando que, na poda, na pulverização e na colheita de frutos a precisão é determinante. Para diminuir a margem de erro, os investigadores do Agrob V16 poderão recorrer a emissores de radiofrequências e aperfeiçoar sistemas de processamento de imagens usados na deteção de ramos ou troncos. O projeto do Agrob V16 tem vindo a evoluir com o objetivo de criar robôs agrícolas que possam ser comercializados com preços abaixo dos 5000 euros.
Exame Informática, 1 de novembro de 2016