AVC: Realidade virtual e sensores “inteligentes” nas terapêuticas do futuro
A invenção mais recente foi divulgada ao público esta semana. Chama-se ORTHOMONiTOR, e é um dispositivo que monitoriza a utilização de aparelhos ortopédicos, que os pacientes em recuperação de um AVC usam habitualmente . “O próprio utente pode perceber se está a utilizar o aparelho no tempo correto e da forma correta, e comparar esses dados com o que sente. Os clínicos e fisioterapeutas poderão traçar objetivos a curto e médio prazo e perceber, facilmente, se estão a ser alcançados”, salienta Miguel Oliveira, coordenador científico da Kinematix, a spin-off do INESC TEC e da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, responsável pelo projeto.
O dispositivo será integrado nos aparelhos ortopédicos para recolher, através de sensores acelerómetros, oscilómetros e capacitivos, informações sobre a cadência da marcha, o número de passos que o paciente dá, e a velocidade com que caminha. A informação obtida pode ficar armazenada no aparelho durante três meses, ou pode ser descarregada através de uma ligação USB.
Está ainda ser desenvolvida uma aplicação móvel para que o utente possa, rapidamente, usando um telemóvel, monitorizar a sua atividade. Miguel Oliveira realça que o “envolvimento do doente na sua cura, como agente ativo do seu processo de reabilitação” é a tendência do futuro. Para além disso, a possibilidade de feedback contínuo tem um efeito motivacional importante para a recuperação.
O ORTHOMONiTOR está finalizado, e já foi testado, em vários estudos de caso, com diferentes aparelhos. A próxima fase será a comercialização “para empresas de auxiliares ortopédicos e protéticos dos Estados Unidos e de vários países da Europa”, avança.
Rebentar bolhas de sabão para treinar movimentos do braço
Também este mês foi apresentado o projeto ExerGames. António Santos, da Fraunhofer Portugal, organização de investigação aplicada, sediada no Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC), explica que o projeto inclui vários “jogos de computador interativos que visam a reabilitação motora em pacientes de AVC”. “Os membros superiores são, normalmente, os mais afetados, e a sua reabilitação faz-se através de movimentos repetitivos. Estes jogos fomentam esses exercícios, num ambiente mais motivador e com diferentes objetivos”.
De acordo com as indicações de um grupo de fisioterapeutas que colaborou no projeto, criaram-se jogos básicos, com ambientes simples, acessíveis a qualquer pessoa. Para trabalhar o braço, por exemplo, o paciente terá de rebentar um conjunto de bolhas de sabão que vão aparecendo no ecrã. A dificuldade aumenta quando as bolhas começam a aparecer cada vez mais na extremidade do ecrã, obrigando a um movimento mais amplo do braço. Já para exercitar a abertura da mão, o utilizador terá de pegar numa maçã e colocá-la dentro de um cesto
Durante os jogos o utilizador pode ser monitorizado através de sensores. Para movimentos mais amplos utilizam-se sensores que monitorizam o corpo inteiro; para medir o movimento de cada um dos dedos da mão usam-se os chamados sensores leapmotion, e para avaliar a rotação da mão existe uma esfera do tamanho de uma bola de ténis, equipada com um acelerómetro e um giroscópio.
Até ao momento, os investigadores realizaram testes de usabilidade do sistema com pacientes e fisioterapeutas, e o próximo passo será um “teste mais alargado, durante vários meses, para avaliar a progressão da reabilitação, comparando doentes que usem os jogos do ExerGames com outros pacientes”.
Reabilitar para a independência através de uma cidade virtual
O Instituto de Tecnologias Interativas da Universidade da Madeira (M-ITI) está a desenvolver um projeto que, para além das capacidades motoras, promete auxiliar na reabilitação das capacidades cognitivas. O NeuroRehab Lab conjuga cenários virtuais com ferramentas interativas para simular atividades do dia a dia e incentivar o treino da memória, linguagem e atenção.
“Nos primeiros meses após um AVC os pacientes podem ter défices motores muito grandes, por isso, o mundo exterior é um enorme desafio. O projeto recria cenários para as habilitar cognitivamente a serem independentes” afirma o neurocientista Sergi Bermudez Badia. “Criámos uma cidade virtual por onde o utilizador navega, tendo, por exemplo de sair à rua para cumprir determinadas tarefas como ir às compras”, explica. O utilizador tem de perceber onde fica o supermercado, depois ir selecionando os alimentos, conforme uma lista de compras já definida.
O mesmo laboratório está, neste momento, a desenvolver um capacete de elétrodos, cujo objetivo é “perceber a atividade elétrica nas diferentes partes do cérebro para descodificar as intenções motoras do paciente”. Este equipamento estará ligado a um ambiente virtual que estimula a intenção motora e representa o feedback da mesma. Por exemplo, pede ao utilizador para mexer o braço e, após receber indicação da intenção, representa num boneco o movimento do braço.
Estes são alguns exemplos de projetos portugueses que colocam a tecnologia de ponta ao serviço da reabilitação após o Acidente Vascular Cerebral, à semelhança do que tem vindo a acontecer um pouco por todo o mundo. Recorde-se que o AVC é uma doença neurológica provocada pela diminuição súbita do aporte de sangue a uma determinada região do cérebro. Em Portugal, é a primeira causa de morte, e, em caso de sobrevivência, pode causar incapacitação motora e cognitiva.