A visão de ex-ministros da Indústria e da Economia, dirigentes empresariais e associativos, economistas e investigadores
Irlanda é o melhor exemplo
Álvaro Santos Almeida, Presidente do Agrupamento Científico de Economia da Faculdade de Economia do Porto
A reindustrialização do país deve ter como prioridade manter o que de bom existe em Portugal, complementada com o alinhamento com a Estratégia Europa 2020, de aposta numa indústria de alta densidade tecnológica e em prol do crescimento verde, para poder maximizar o aproveitamento dos fundos comunitários disponíveis.
O melhor exemplo continua a ser a Irlanda, que conseguiu criar uma base industrial, através da captação de investimento estrangeiro. A exemplo da Irlanda, se queremos atrair investimento estrangeiro, temos de oferecer condições atractivas obrigatórias: estabilidade política, enquadramento fiscal e de legislação do trabalho competitivos e acesso a fontes de financiamento.
A política de reindustrialização de um país dentro da UE depende pouco do ministro da Economia e mais do Governo como um todo.
Não há receitas para copiar
António Saraiva, Presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP)
Um plano de reindustrialização deverá integrar: condições que permitam o reforço do investimento empresarial nos sectores produtores de bens e serviços transaccionáveis; estímulo à competitividade e inovação; estratégia coerente de internacionalização da economia.
Como exemplo, cito a Irlanda nos anos noventa do século passado, onde o grande desenvolvimento de que beneficiou foi acompanhado por um acréscimo do peso da indústria na economia, através de uma estratégia bem-sucedida de atracção de investimento estrangeiro. Também o caso da Alemanha, que tem conseguido manter uma base industrial forte, é a prova de que é possível reindustrializar e produzir de forma competitiva no solo europeu.
No entanto, não existem receitas que se possam copiar. Portugal terá de encontrar a sua própria estratégia, inserida num processo mais vasto de reindustrialização e recuperação económica da Europa.
Sobre o papel do ministro da Economia, a reindustrialização do país deverá ser um desígnio nacional. Será obra das empresas, não de qualquer Governo.
Risco de atracção pelo low cost
Augusto Mateus, Ministro da Economia 1996-97, consultor, professor universitário
A reindustrialização é mais uma moda, embora seja certo que precisamos de criar mais riqueza, de pensar em novas maneiras de criar riqueza.
A indústria é hoje um conceito vago. Dentro da indústria, ou da agricultura, há hoje muitos serviços incorporados.
Reindustrializar é uma mensagem pouco interessante. Sugere um regresso ao passado. Há aqui o perigo de se querer fazer tudo, ou uma tentativa de responder à disseminação do outsourcing internacional, uma atracção pelo low cost. Um regresso ao passado faz pouco sentido. Por isso prefiro o redesenvolvimento à reindustrialização. Não nos podemos prender a uma indústria limitada à manipulação de máquinas. Temos de seguir a lógica da cadeia de abastecimento. O valor não está na transformação. Transformar qualquer um transforma hoje em dia.
Vantagem é tecnologia, não preço
Bernardo Meyrelles, Presidente da Câmara Luso-Alemã
O processo de reindustrialização deve passar, antes de mais, pela análise dos sectores com potencial para vencer nos mercados europeus ou até mesmo mundiais.
A criação de novos clusters industriais deve acontecer em paralelo com o apoio aos clusters de sucesso já existentes.
Salvaguardando as características específicas e a dimensão de Portugal e da Alemanha, é possível identificar na história económica alemã numerosas medidas que também podem ser aplicadas em Portugal. Há outros países, pequenos, com sucesso assinalável (casos europeus da Suécia e Finlândia e, no continente asiático, Taiwan).
São países que, em dada altura, apostaram numa orientação tecnológica como principal vantagem da sua produção em detrimento da vantagem preço.
O ministro Álvaro Santos Pereira teve o mérito de reconhecer a necessidade de Portugal revalorizar o seu sector industrial. Mas um processo desta natureza não se concretiza numa legislatura e depende de muitos intervenientes, de outras áreas governamentais, de governos futuros, das empresas, etc.
Acredito nas "indústrias de engenharia"
Daniel Bessa, Ministro da Economia 1995-96, director-geral da Cotec
A reindustrialização surge como uma resposta à dificuldade de crescimento económico – não apenas em Portugal, mas na maior parte dos países europeus.
Com excepção de alguma indústria suportada sobretudo por recursos naturais (de que constitui expoente, entre nós, a pasta e o papel), acredito sobretudo no que os alemães designam de "indústrias de engenharia": indústria, talvez, suportada por doses maciças de investigação e desenvolvimento, e de engenharia – e em que o valor vem destes "serviços", muito mais do que da manufactura propriamente dita.
Portugal tem argumentos para competir nestas novas indústrias, parecendo apenas muito atrasado neste processo.
Acredito no potencial do nosso país numa área de intercepção entre a saúde e a terceira idade – uma área de serviços transaccionáveis, com um grau de sofisticação moderado, tendo por mercado os países do Norte da Europa (uma área de actividade tudo menos industrial).
Luís Mira Amaral conduziu uma das políticas industriais mais eficazes no nosso país, que nos fez chegar ao automóvel e, em geral, ao material de transporte. Depois dessa data, não houve praticamente política industrial para o que também contribuíram, e muito, as políticas da União Europeia.
Mais cooperação Portugal-Espanha
Enrique Santos, Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso -Espanhola
Para se conseguir a modernização industrial, em particular nos bens transaccionáveis de alto valor acrescentado, é necessário investimentos nacional e estrangeiro que promovam um aumento da produtividade e competitividade, nomeadamente um aumento da incorporação tecnológica (i+d+i), diferenciação e individualização dos produtos e melhoria da qualidade destes.
Portugal, pela sua dimensão, tem de se abrir aos mercados internacionais e criar ao nível das pequenas e médias empresas um tecido industrial competitivo e exportador, como acontece com mercados tão competitivos como o holandês ou o belga, ou outros da Europa Central e Norte, por exemplo.
Há inegáveis vantagens numa maior cooperação entre a indústria portuguesa e espanhola: países como Portugal e Espanha, pela sua dimensão, terão muita dificuldade em competir, por exemplo, em mercados muito massificados com produtos com pouco valor.
O Ministério da Economia tem vindo a implementar uma série de medidas positivas e sérias de apoio à reindustrialização. Porém [num contexto de austeridade], torna-se difícil garantir o cumprimento deste programa.
Potencial na diáspora portuguesa
Fernando Alexandre, Presidente do Conselho Pedagógico da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho
A inovação tecnológica alterou de forma muito significativa as fontes de criação de valor económico. Parece-me haver uma confusão entre indústria e sectores transaccionáveis. Alguns dos sectores mais competitivos da economia portuguesa são serviços – estes representam cerca de 30% das exportações portuguesas.
No que se refere a exemplos de outros países (bons ou maus), defendo que à semelhança da Irlanda devemos procurar atrair projectos de investimento junto dos membros bem-sucedidos da nossa diáspora. As redes de pequenas e médias empresas de Itália em sectores "tradicionais" que utilizam modernas tecnologias devem também merecer a atenção dos nossos empresários e governantes.
No que se refere ao papel do ministro, admito que as mudanças na legislação do mercado de trabalho e alguns sinais de mudança na concorrência de sectores muito importantes para os custos das empresas, como é o energético, vão no bom sentido. No entanto, factores como a concorrência externa (dos países emergentes, por exemplo) ou a capacidade de inovar das empresas portuguesas não são determinados pela acção do ministro da Economia.
Exportar mais do que importamos
João Confraria, Economista, autor de Política Industrial do Estado Novo
A política económica devia ser vista como um processo de aprendizagem dos erros.
Um erro que não pode ser cometido de novo é voltar a haver um desequilíbrio tão grande na balança de transacções correntes. A vantagem de olhar para trás é perceber que, doravante, a reorientação política e os mecanismos de incentivos devem estar virados para a exportação de bens na sua grande parte industriais e de serviços e para a abertura da economia ao exterior.
Arranjamos dinheiro para pagar as importações com o dinheiro das exportações. Este é um facto a que temos de nos habituar e é, em certa medida, novo. Não foi assim nos últimos 25 anos.
Pagámos as importações com receitas de privatizações, fundos comunitários, remessas de emigrantes e endividamento.
Agora, temos provavelmente de exportar mais do que importamos. As remessas dos emigrantes e transferências correntes comunitárias não chegam para financiar o pagamento de juros e dividendos ao exterior.
Quanto mais temos de exportar? Admito que um excedente de 3% a 4% do PIB garantiria alguma auto-suficiência da economia face às obrigações resultantes dos financiamentos externos. (A partir de depoimento verbal)
Primeiro condições, depois investimento
João Salgueiro, Economista e ministro das Finanças 1981-83
Antes de tudo [um plano de reindustrialização deve ter como prioridade] assegurar um enquadramento favorável à atracção de investimentos produtivos, única forma – após a falência do recurso à despesa pública e ao endividamento de assegurar novos empregos, maior base tributária e suporte do Estado social. No quadro global, são praticamente ilimitadas as iniciativas empresariais, as competências técnicas e os recursos financeiros ao nosso alcance. Dependem apenas das condições que soubermos criar.
Como exemplos, devemos olhar para todos os pequenos países europeus e asiáticos que têm sido capazes de assegurar elevados ritmos de exportação, de crescimento do produto e de multiplicação do emprego.
A reindustrialização não é responsabilidade do ministro da Economia. É do Governo e da AR, que devem assegurar as condições capazes de atrair investimentos, poupanças e quadros técnicos portugueses e estrangeiros.
E é da responsabilidade dos portugueses – eleitores trabalhadores e futuros trabalhadores –, que o exigir.
Mais ligação empresas-universidades
José Manuel Mendonça, Presidente do INESC-Porto
Nos últimos cinco ou dez anos, o ritmo de transferência de tecnologia das universidades e dos centros de investigação melhorou vertiginosamente.
Há inúmeros exemplos em que a actual capacidade das empresas reflecte esse processo.
No calçado, nas soluções tecnológicas que a Efacec foi buscar às universidades, mas também na REN, na EDP ou na PT. Só no nosso caso há contratos de investigação com mais de 300 empresas na nossa base de dados.
Infelizmente, porém, e ao contrário do que acontece no Reino Unido ou nos EUA, as grandes empresas não acompanharam este processo.
Em percentagem da facturação, uma empresa como a Frezite gasta mais do que a Amorim, a Sonae ou a EDP.
A indústria do futuro não pode ser a indústria do passado.
Mesmo as tecnológicas vão ter de fazer coisas diferentes. Vão ter de procurar sempre novos produtos ou de procurar alianças internacionais.
O Governo não tem um modelo e nem sei se deve ter uma grande estratégia para a reindustrialização. Se mandasse, poria os sistemas de estímulos a apoiar os casos de sucesso, os actores que são capazes de pôr em marcha uma nova indústria.
Atenção à nova deslocalização
Mira Amaral, Ministro da Indústria e Energia 1987-1995, presidente do BIC e dirigente da CIP
A prioridade é apostar em sectores de bens transaccionáveis, dando condições de competitividade, nomeadamente em relação ao preço da energia e à ligação da investigação e desenvolvimento à inovação empresarial.
No preço da energia, há um problema global, não só português. O gás natural xistoso (shale gas) veio dar gás natural e electricidade mais baratos às empresas dos EUA e, com esta revolução energética, há um novo problema de deslocalização de empresas europeias.
O centro tecnológico do sector do calçado, criado com o PEDIP, contribuiu para que hoje exporte máquinas para a China. O sucesso do calçado é um bom exemplo para os sectores tradicionais: precisam de engenharia, inovação, universidades ligadas a elas.
[Quanto ao sector automóvel], não é realista atrair outro grande construtor automóvel [ocidental], mas talvez asiático, chinês, ou emergente não asiático. A Embraer é um bom caso.
Com a ideia da reindustrialização, o ministro da Economia autonomizou-se em relação ao ministro das Finanças. Politicamente, agiu bem. Se vai a tempo de fazer a reindustrialização do país não sei. O futuro dirá. (A partir de depoimento verbal)
Duplicar peso exportador
Veiga Simão, Ministro da Indústria e Energia 1983-1985, presidente do LNETI 1978-1983, consultor da AIP
Reindustrializar não é voltar ao passado. Temos um elemento essencial para o desenvolvimento que é o conhecimento. Por isso, prefiro chamar uma nova industrialização, com uma nova base: a sociedade do conhecimento.
Temos de transmitir aos portugueses a grandeza do desafio e dizer o que falta atingir: se não atingirmos a média europeia do peso das exportações em relação ao PIB (acima de 60%), não temos Estado social [em 2010, as exportações portuguesas eram de 30,9% do PIB, enquanto os pequenos países europeus mais dinâmicos estavam acima de 80%]. É um grande esforço.
A nova industrialização tem de abranger uma nova carteira de actividades exportadoras.
Considero que as rondas que o ministro tem feito são positivas. Vejo-o com boas intenções, mas interrogo-me se o Governo está solidário com ele. (A partir de depoimento verbal)
Público, 13 de janeiro de 2013